Consumo aumentou exponencialmente no Brasil na última década, mas ainda restam dúvidas sobre segurança do consumo da bebida
Enquanto a venda de bebidas energéticas decola no mundo, as garantias de segurança do seu consumo vão aos poucos caindo por terra. No Brasil, a venda pulou de 20,8 milhões de litros em 2002 para 118,5 milhões de litros em 2011 (seis vezes maior), quando o lucro foi de R$ 4 bilhões, segundo levantamento da consultoria Internacional Euromonitor. No mercado brasileiro há menos de 15 anos, os efeitos das bebidas com altos níveis de cafeína ainda são desconhecidos a longo prazo. Nos EUA, a agência reguladora americana, a FDA, divulgou esta semana um relatório apontando que 18 mortes e prejuízos à saúde de 150 indivíduos poderiam estar relacionados ao consumo de energéticos.
O documento não comprova a responsabilidade das empresas de bebidas energéticas, por isso a FDA diz que pediu relatórios médicos das possíveis vítimas, os quais serão avaliados por especialistas de institutos científicos do país. A preocupação é principalmente devido aos riscos de consumo em excesso, por adolescentes e por pessoas com doenças cardiovasculares. A polêmica nos EUA começou há menos de um mês, desde quando a Monster, marca que domina o mercado americano, vem sendo investigada pela morte de cinco pessoas. A empresa garantiu que a bebida é “totalmente segura”.
Mistura de energético com álcool é das mais populares
Os efeitos do energético tem colocado alguns países em alerta. No Brasil, um projeto de lei em tramitação na Congresso restringe a propaganda de bebidas à base de cafeína, pois segundo o autor, o deputado Marcos Rogério, o consumo excessivo pode trazer riscos à saúde e provocar acidentes automobilísticos por reduzir o reflexo e a coordenação motora. O Canadá limita os níveis de cafeína dos energéticos em 180 miligramas. E na França, o orçamento da seguridade social incluirá impostos mais pesados ao tabaco e às bebidas energéticas. Nos EUA, a FDA diz ainda estar atenta ao lançamento de novos produtos e a diferentes padrões de consumo. Um bastante popular, também no Brasil, é sua mistura com álcool.
— Eu consumo energético com vodca. Na verdade estou até querendo diminuir porque a sensação no dia seguinte não é das mais agradáveis, o sono fica muito leve e fico muito agitada. Acabo bebendo quase todo fim de semana por causa do meu trabalho — contou Izabel Alvares, sócia e produtora da festa Modinha. — Esse “combo” ajuda muito a levar a noite curtindo com os amigos, mas sempre atenta e ágil para eventuais problemas de produção.
Chefe do Departamento de Psicobiologia da Unifesp, Maria Lúcia Formigoni pesquisou a combinação de cafeína e de taurina — substâncias presentes nos energéticos — com o álcool. Ela explica que o consumo de álcool em geral leva à fase estimulante e, depois, à depressora, de sono. Com energético, o efeito estimulante é potencializado e a sonolência, reduzida.
— A coordenação motora não melhora em nada se comparar a alguém que bebeu só álcool, mas a pessoa se sente menos embriagada, acha que está bem e se arrisca mais. Além disso, como o efeito depressor é postergado, a pessoa bebe mais e por mais horas — conclui.
Maria Lúcia explica que energéticos podem gerar sintomas como taquicardia naqueles que consomem a bebida em excesso misturada com álcool e aos que têm propensão a doenças cardiovasculares. Ela ressalta, entretanto, que faltam estudos sobre o consumo puro e por longo prazo.
— O grande problema é que o rótulo do energético tem uns seis componentes que poderiam interferir no sistema neurotransmissor, e a maneira como isto interage ainda não está clara — complementa a pesquisadora.
A cafeína é um estimulante do sistema nervoso central e provoca aumento da pressão arterial. Segundo a Faculdade de Medicina de Harvard, uma lata de energético concentra de 50 a 500 miligramas (mg) da substância, enquanto que uma xícara de café tem de 75 a 150 mg. Estudos, como um recente do Consumer Reports, têm apontado, inclusive, para uma concentração de cafeína até 20% maior do que a descrita no rótulo.
O músico Gabriel Gazineu diz que hoje dificilmente consome, mas costumava tomar numa noite até três latinhas com doses de vodca.
— No dia seguinte fico igual a uma formiga elétrica — brinca Gazineu, que exemplifica. — Acordo cedo, com um tipo de ressaca zonza, meu braço fica tremendo e fico agitado. O coração dá uma acelerada, mas nada muito forte.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proíbe o uso das expressões “estimulante” e “potencializador” nos rótulos. Mas isto já é bem conhecido dos jovens. Administrador de empresas, Daniel Oliveira, de 28 anos, bebe para aguentar o ritmo do trabalho.
— Nas compras do mês da minha empresa, compram o energético. Geralmente tomo um para acordar. Na noite, com vodca, tomo mais: uns dois ou três. Um amigo já acordou passando mal, mas porque tomou dez latas. Comigo nunca aconteceu nada, e olha que já operei o coração — conta.
Trabalho e lazer também são as razões de consumo do médico Bruno Benites, que, por outro lado, nota efeitos adversos:
— Já fui um consumidor mais abusivo, hoje em dia tomo menos por causa dos efeitos que vêm depois. Sempre tomei na balada, com vodca, às vezes até quatro latas, já tomei à tarde, se estava cansado e sabia que precisava ficar acordado. O que eu acho que me fez parar de uns anos pra cá foi, primeiro, fazer menos balada pesada, e segundo, o quanto o sono fica ruim: picado, turbulento, e no dia seguinte, fico o dia inteiro cansado.
Já o consultor Guilherme Silva bebe energético durante o dia, para espantar o sono, e à noite, como uma alternativa ao álcool:
— Se tomar uns cinco ou seis puros, chego a sentir formigamento nas extremidades, pontada no olho, como quando você come muito sal puro. Já fiquei acelerado, de não conseguir parar quieto.
Bebida posta na berlinda
Uma série de estudos recentes busca investigar os riscos do consumo excessivo de energéticos por adolescentes ou na mistura com álcool. A Associação Americana de Pediatria informa que o consumo de cafeína por um adolescente não deve passar de 100 miligramas por dia. O grupo, então, desaconselha o consumo de energéticos por crianças e adolescentes, já que o excesso de cafeína pode aumentar a frequência cardíaca e a pressão arterial, trazendo perigo de convulsões e arritmias.
A FDA, agência reguladora americana, aponta que cafeína é um aditivo perigoso ao álcool. O periódico da Associação Médica Americana, o Jama, ressaltou que indivíduos que combinam energéticos com álcool subestimam seus níveis alcoólicos. Já a Universidade da Tasmânia, na Austrália, mostra que a mistura provoca palpitações, dificuldades para dormir, agitação e tremores.
Um estudo do Centro de Controle de Prevenção de Doenças dos EUA alertou para os riscos de efeitos colaterais do consumo excessivo, como intoxicação por cafeína e problemas para dormir durante a noite, assim como sonolência durante o dia.
Professor da Faculdade de Medicina de Harvard, Harvey Simon escreveu artigo no qual alerta para o consumo rápido do energético, o que leva a doses altas de cafeína ao sangue e ao coração, podendo aumentar riscos de problemas cardiovasculares. Ele lembra que, além da cafeína, os energéticos concentram ainda outros estimulantes, como guaraná e taurina, assim como altos níveis de açúcar.