domingo, 5 de maio de 2013

INFECÇÃO PELO HPV, O PAPILOMAVÍRUS HUMANO



Waldemir Washington Rezende é médico ginecologista e obstetra, diretor executivo do Instituto Central da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, coordenador do Ambulatório de Neoplasias na Gravidez do Hospital das Clínicas da USP e professor assistente na Faculdade de Medicina de Jundiaí. Fernanda Erci dos Santos, médica especializada em ginecologia e obstetrícia, faz parte do corpo clínico do Hospital Universitário da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
O HPV (papilomavírus humano) pertence à família dos Papovaviridiae e compreende uma diversidade grande de subtipos, que provocam desde o aparecimento de verrugas na pele e nas mucosas (especialmente das crianças e das pessoas imunodeprimidas), e pólipos nas cordas vocais parecidos com cogumelos – lesões que oferecem baixo risco de malignidade – até doenças graves como o câncer do colo do útero.
O HPV pode ser transmitido pelo contato direto com a pele nas relações sexuais. Estudos mostram que é significativo o número de mulheres infectadas por um ou mais de seus subtipos. No entanto, aquelas que possuem o sistema imunológico íntegro conseguem debelar espontaneamente a infecção.
Subtipos mais agressivos do HPV são responsáveis pelo câncer do colo do útero, uma doença que não aparece de repente. Em geral, as alterações vão-se tornando progressivamente mais graves até se transformarem no tumor maligno. Nos países em que as mulheres passam por controles ginecológicos periódicos e sistemáticos, essa doença quase não existe mais. Não é o que acontece, porém, quando os cuidados preventivos deixam de ser observados.
Recentemente, foi lançada uma vacina que previne a infecção pelo HPV. Ela protege contra os subtipos 16 e 18 de alto risco para o câncer do colo do útero e contra os subtipos 6 e 11 responsáveis pelo aparecimento dos condilomas acuminados, verrugas conhecidas popularmente como cristas-de-galo, nos genitais masculinos e femininos.
VIAS DE TRANSMISSÃO
Drauzio – Qual é a dimensão do problema que o HPV representa para as mulheres?
Fernanda Erci dos Santos – O HPV transmite uma doença estigmatizante, porque é contraída pelo contato sexual, e isso mexe muito com a sexualidade da mulher. Considerando os dados nacionais, estima-se que 25% das mulheres sexualmente ativas estejam infectadas pelo vírus HPV, os de baixo risco e os de alto risco. Nos países desenvolvidos que aplicam testes mais sensíveis e há mais tempo, esse número gira em torno de 30%, 40%.
Drauzio – Como ocorre a transmissão do papilomavirus e o que justifica tantas mulheres estarem infectadas no mundo?
Fernanda Erci dos Santos – O HPV é um vírus celular obrigatório, isto é, precisa estar dentro de outra célula para desenvolver sua atividade. Ele tem predileção especial pelo epitélio da mucosa que reveste a vagina e o colo do útero. Acredita-se que a transmissão ocorra no contato sexual pelo atrito de uma mucosa com outra infectada. Está provado, no entanto, que esse vírus é encontrado ainda vivo em sabonetes, vaso sanitário, em toalhas e, apesar de não ser possível determinar com exatidão seu poder de contaminação por esses fômites – talvez fique frágil fora da célula -, essa possibilidade existe.
Drauzio – Sexo oral é uma via de transmissão do HPV?
Fernanda Erci dos Santos – Sexo oral transmite o HPV. Embora não tenha predileção por esse tipo de epitélio, podem provocar lesões na face chamadas de verrugas ou papilomas.
Drauzio – É possível uma pessoa que está começando a vida sexual ficar livre da infecção pelo HPV?
Fernanda dos Santos – É possível. A camisinha oferece proteção efetiva, a não ser que haja grande quantidade de verrugas na parte externa dos genitais e na área com pelos, regiões que não são cobertas pelo preservativo.
Drauzio – Com isso, você quer dizer que a camisinha não previne a transmissão do HPV como previne a transmissão do vírus de outras doenças sexualmente transmissíveis, como o HIV e o vírus da hepatite B, por exemplo.
Fernanda Erci dos Santos – Ela ajuda, mas não previne totalmente a transmissão do HPV.
INCIDÊNCIA DA INFECÇÃO
Drauzio – Grande parte das infecções pelo HPV são inaparentes. O exame laboratorial revela a presença do vírus, mas não há lesões visíveis nos genitais masculinos e femininos. Existe uma estimativa sobre o número de pessoas que desenvolvem os quadros clínicos?
Waldemir Washington Rezende – É um número bastante significativo. Pode-se dizer que, no decorrer da vida, 75% das mulheres sexualmente ativas entrarão em contato com esse vírus mais cedo ou mais tarde e que a frequência da infecção está relacionada com o número maior de parceiros sexuais e com a ausência de métodos de prevenção, no caso, o uso da camisinha.
Felizmente, a grande maioria das mulheres infectadas adquire imunidade espontânea. Ou seja, 95%, 98% das mulheres que entraram em contato com o HPV, desde que estejam com suas defesas imunológicas íntegras, desenvolverão imunidade naturalmente.
Drauzio – Essas mulheres adquirem o vírus, mas não desenvolvem nenhum sinal, nenhum sintoma, porque seu sistema imunológico é capaz de destruí-lo e eliminá-lo. O que acontece com os 2% a 5% que não se enquadram nessa categoria?
Waldemir Washington Rezende – Não havendo seguimento médico adequado, o vírus pode persistir no organismo e provocar uma lesão lenta e progressiva que, no período de dois a dez anos, irá transformar-se num câncer do colo do útero. Por isso, é muito importante fazer os exames de rotina, assim como o teste de Papanicolaou uma vez por ano para diagnóstico e tratamento precoces.
PAPANICOLAOU
Drauzio – Como é feito o exame de Papanicolaou?
Fernanda Erci dos Santos – O Papanicolaou é um exame simples, que deveria fazer parte da rotina de todas as mulheres desde o início da atividade sexual. Através da abertura da vagina com o espéculo, o médico consegue visualizar o colo do útero, a região predileta da ação viral. Exatamente nesse ponto chamado de zona de conflito do colo do útero, ele faz um raspado com uma escovinha ou espátula para recolher as células que serão colocadas em uma lâmina a fim de serem analisadas no microscópio.
Drauzio – Dói?
Fernanda Erci dos Santos – Não dói. No máximo, provoca o incômodo próprio do exame ginecológico.
Drauzio – O que o patologista procura no material coletado?
Fernanda Erci dos Santos – Procura sinais de alteração nuclear. Quando o vírus entra na célula, tenta integrar-se ao núcleo, que fica com características bizarras: aumenta de tamanho e afasta o citoplasma para os cantos. Dependendo do grau dessa alteração, o patologista quantifica a intensidade da lesão. Antes, ela era classificada em valores numéricos que iam de um a cinco. Atualmente, o laudo citológico mudou um pouco, é mais descritivo. Registra as atipias celulares, ou seja, o grau de alteração do núcleo da célula, ou seja, quanto ele se tornou mais denso e volumoso. Alguns laboratórios ainda fornecem a classificação antiga junto com a nova.
Drauzio – Com que frequência deve ser feito o exame de Papanicolaou?
Fernanda Erci dos Santos – Via de regra, deve ser feito uma vez por ano. Resultado normal por três anos consecutivos permite que seja realizado a cada dois anos.
Nos Estados Unidos, onde o exame de captura híbrida (um teste de biologia molecular que investiga não só a presença do vírus HPV, mas também se é de alto risco) é feito junto com o Papanicolaou, o período preconizado entre um exame e outro chega a ser de três a cinco anos. Para tanto, eles se baseiam no fato de que para ter uma lesão no colo do útero a mulher precisa estar infectada por um subtipo de HPV de alto risco. Se não estiver, é possível garantir que, durante três anos, ela estará livre da doença.
No Brasil, porém, como mal se dispõe do exame citológico e não há cobertura nacional de prevenção para todas as mulheres, fazer o Papanicolaou anualmente ou a cada dois anos é uma forma de garantir a prevenção do câncer do colo do útero que, principalmente nas regiões norte e nordeste, é causa de morte de um grande número de mulheres.
Drauzio – O Papanicolaou pode ser feito durante a gravidez?
WaldemirWashington Rezende – O Papanicolaou deve fazer parte da rotina do pré-natal. Muitas vezes, essa é a única oportunidade que a mulher tem para fazer esse teste, pois raramente é examinada por um ginecologista ou obstetra fora do período de gestação.
Portanto, obrigatoriamente na primeira consulta do pré-natal, o médico deve colher material para análise a fim de identificar alterações que mereçam seguimento mais apurado durante a gravidez ou depois do parto.
Fazer o Papanicolaou durante a gestação não provoca aborto, nem sangramento, nem qualquer outra complicação. É bom lembrar que 20% das mulheres grávidas podem evoluir para um aborto espontâneo. Se esse episódio coincidir com a coleta do material para análise será por mero acaso. Daí a importância de conscientizar as equipes médicas que atuam nas Unidades Básicas de Saúde, especialmente nas da periferia, de que devem exigir o equipamento necessário para colher o material e encaminhá-lo ao laboratório.
Drauzio – Essa não é a conduta adotada como norma?
Waldemir Washington Rezende – Infelizmente, recebemos no Hospital das Clínicas de São Paulo, pacientes com diagnóstico de câncer no colo de útero que não fizeram o Papanicolaou durante a gravidez. Quando procuraram assistência médica, já tinham sangramento e a doença estava instalada. É muito triste constatar que perderam a oportunidade de fazer o diagnóstico precoce durante a gravidez.
TRABALHO COM ADOLESCENTES
Drauzio – Como é o trabalho que vocês desenvolvem com as adolescentes grávidas?
Fernanda Erci dos Santos – Existem dados publicados no mundo inteiro indicando que a maior prevalência da infecção viral pelo HPV coincide com essa etapa da vida, marcada por grande atividade sexual, número maior de parceiros e que não começa necessariamente com proteção responsável.
Queríamos conhecer o perfil das adolescentes brasileiras grávidas. Nosso estudo demonstrou que elas iniciam precocemente a atividade sexual, entre os 12 e os 18 anos, em média aos 15 anos, que a gravidez não foi planejada e que 52% estavam infectadas pelo vírus HPV. Esses dados são compatíveis com os publicados em outros países do mundo.
Por sorte, a literatura registra que, nesse grupo etário, a infecção caminha em surtos. Há um surto na adolescência, mas a grande maioria evolui com cura. Depois de alguns anos, porém, ocorre um novo surto infeccioso e o processo vai caminhando assim, em ondas de infecção e cura.
Drauzio – A menina que se infecta uma vez e cura espontaneamente fica imune ao vírus?
Fernanda Erci dos Santos – Fica imune àquele sorotipo específico. Atualmente, estão descritos mais ou menos 100 subtipos diferentes do vírus HPV que causam lesão no colo do útero. Eles são divididos em grupos de maior ou menor risco para o câncer. Então, a menina fica imune ao sorotipo que adquiriu, mas pode ser infectada por um subtipo diferente.
Drauzio – Segundo o trabalho ao qual Dra. Fernanda se referiu, metade das adolescentes grávidas que chegam ao Hospital das Clínicas carrega o vírus HPV. Meninas tão jovens, com 12, 15 anos de idade, podem desenvolver câncer de colo uterino?
Waldemir Washington Rezende – A lesão inicial provocada pelo HPV é uma agressão mínima ao tecido que constitui a superfície mais tênue do colo do útero. Por ser de baixo grau, o tratamento é simples: o vírus é eliminado por eletrocoagulação, ou seja, pela cauterização que destrói a área do colo do útero em que ele se assesta. A pele descama e cai e a que vem por baixo está livre da infecção, é normal.
Agora, a lesão pode ser de alto grau ou porque o vírus é de um tipo muito agressivo, ou porque a imunidade está muito deprimida. Existem casos de lesão de alto grau em meninas de 15 anos, portadoras de um subtipo mais agressivo (16 ou 18), que exigem seguimento contínuo, porque ao longo dos três a dez anos seguintes podem desenvolver câncer do colo do útero. Em geral, são pacientes que apresentam outros fatores de risco além da queda de imunidade, como má nutrição, tabagismo, múltiplos parceiros sexuais, e que receberam grandes cargas virais. Número mais elevado de vírus confere maior agressividade, mesmo em pacientes jovens. Infelizmente, tivemos casos de câncer de colo do útero em garotas com 17, 18 anos, o que é assustador.
Drauzio – Esse é um lado da infecção: meninas são infectadas pelo papilomavírus precocemente e desenvolvem lesões de alto grau ou malignas. Entretanto, nem todas as portadoras do vírus irão desenvolver câncer do colo do útero, embora todas temam que isso possa acontecer.
Fernanda Erci dos Santos – Essa preocupação é uma constante nas pessoas que recebem o diagnóstico da infecção por HPV, porque até pouco tempo se acreditava que não havia cura para a infecção. Hoje se sabe, porém, que grande parte delas evoluirá para a cura. Na verdade, só em torno de 10% das pessoas infectadas desenvolverão lesões mínimas no colo do útero e um número muito menor, lesões mais graves. Mesmo essas serão passíveis de tratamento local, normalmente uma intervenção cirúrgica mais ampla no colo do útero e na parede da vagina. Elas ficarão curadas  se forem diagnosticadas precocemente. Portanto, estamos diante de uma doença de prognóstico muito bom desde que a paciente se submeta aos exames de prevenção anual.
VACINA
Drauzio – Depois de muitos anos de pesquisa, foi desenvolvida uma vacina contra o papilomavírus. Ela será capaz de prevenir o aparecimento de câncer de colo de útero?
Waldemir Washington Rezende – O HPV é o agente etiológico do câncer do colo do útero. Se combatermos esse agente, a doença será extinta.
Os estudos mostraram que 70% dos casos desse tipo de câncer decorrem da presença de dois subtipos do papilomavírus humano, o 16 e o 18, e que 90% das verrugas genitais, os condilomas conhecidos também como crista-de-galo, são causadas pelos subtipos 6 e 11.
A vacina que os pesquisadores desenvolveram induz a imunidade contra os subtipos 16, 18, 6 e 11. Portanto, ela vai reduzir o número de mulheres afetadas pelo condilomas que, apesar de não serem manifestações malignas, exigem um tratamento desgastante, pois pressupõem a necessidade de várias consultas, cauterizações e colposcopias para impedir que o vírus provoque lesões mais graves. Ao mesmo tempo, a vacina deve prevenir 80% dos casos de câncer de colo de útero.
Por que cito esses dados? Porque existem mais de 100 subtipos de papilomavírus, e a vacina protege apenas contra os dois que causam câncer de colo de útero, o 16 e o 18, e contra os dois que causam verruga genital, o 6 e o 11. Para os demais tipos, não oferece imunidade. Por isso, é necessário manter o uso do preservativo e a coleta anual do Papanicolaou. A existência da vacina não exime o médico nem a mulher da responsabilidade de garantir que os exames preventivos sejam realizados.
Drauzio – Na verdade, a vacina vai proteger contra os subtipos mais agressivos de HPV.
Waldemir Washington Rezende – Sim, apenas contra os subtipos mais agressivos, mas são eles os responsáveis pelo maior número de casos de câncer do colo do útero.  Se eu fizer a projeção, aplicando a vacina, estarei reduzindo em mais de 80% a incidência desses quadros.
Drauzio – Quem é candidato a receber a vacina?
Fernanda Erci dos Santos – Há uma discussão muito grande no Ministério da Saúde para determinar o que vai ser feito. A proposta original era que deveriam ser vacinadas as meninas a partir dos nove anos de idade, ou seja, antes do início da vida sexual. Mas aí, entraram na discussão organizações religiosas e nacionais, alegando que essa conduta vai estimular o início precoce da atividade sexual, especialmente da atividade desprotegida.
Outra questão a ser resolvida é se os homens, os grandes transmissores da infecção, também devem receber a vacina. E há, ainda, o problema do custo, que não é desprezível num país como o nosso. Por outro lado, não se sabe por quanto tempo a vacina promove a imunização. Então, se imunizarmos as meninas muito precocemente, talvez quando chegarem à idade das primeiras relações sexuais, não estejam mais protegidas pela ação da vacina. Embora os estudos mostrem que a imunização ocorre em 100% dos casos, não deixam claro quanto tempo dura a proteção, nem se ou quando as meninas devem ser revacinadas.
Drauzio – A que requisitos deve obedecer a aplicação da vacina?
Fernanda Erci dos Santos – A vacina deve ser dada em três doses. A segunda um mês após a aplicação da primeira, e a terceira, seis meses depois da segunda.
Drauzio – Qual é a política adotada para as meninas que já iniciaram a vida sexual?
Fernanda Erci dos Santos – Essas vão ficar para segundo plano. Parte delas talvez tenha acesso particular à aplicação da vacina.  Num primeiro momento, não acredito que o Ministério da Saúde tenha condições de proporcionar imunização para todas as mulheres. A intenção é oferecer a prevenção primária a fim de evitar o contato inicial com o vírus.
Drauzio – Segundo as explicações do Dr. Waldemir, a vacina só oferece proteção contra alguns subtipos do HPV. Uma mulher que tenha iniciado a vida sexual há dez anos, mas não foi infectada por esses sorotipos mais perigosos que podem provocar câncer do colo do útero, não deveria tomar a vacina? 
Fernanda Erci dos Santos – A princípio, a vacina é indicada para todas a mulheres. No entanto, considerando os custos e os grupos mais suscetíveis, provavelmente acontecerá com ela a mesma coisa que aconteceu com a vacina da hepatite B, que hoje integra o calendário anual de vacinação, mas demorou muito para entrar nessa rotina.
Drauzio – Você prescreveria essa vacina para todas as mulheres com vida sexual ativa?
Waldemir Washington Rezende – Antes de prescrevê-la, eu tomaria alguns cuidados. Primeiro, tentaria detectar se a mulher já foi infectada pelos subtipos 16, 18, 6, 11. Se já entrou em contato com esses vírus, a vacina é inútil. Quanto às mulheres com vida sexual ativa que não tiveram contato prévio com tais sorotipos do HPV, eu prescreveria a vacina para aquelas que estão na faixa dos 12 aos 25 anos. Depois dos 25, o índice de proteção é muito baixo, por isso deve ser levado em conta o problema do custo/benefício da vacinação.
No Hospital das Clinicas, nosso projeto focaliza a adolescente grávida. No pré-natal, pesquisa-se a presença do HPV. Se ela não entrou em contato com o vírus, no dia da alta hospitalar depois do parto, recebe a primeira dose da vacina e a programação da segunda e da terceira aplicação. Nosso objetivo é não deixar a adolescente desprotegida. Como pertence a um grupo de risco que, para cuidar do filho e da família, deixa de preocupar-se com o próprio corpo, o sistema público não pode perder a oportunidade de proporcionar a vacina para garantir a imunidade dessas jovens. Caso contrário, de novo estaremos favorecendo a classe com poder econômico para pagar a vacina, que custa por volta de 300 dólares, e a população mais carente com déficit nutricional, de imunidade e exposta a inúmeros fatores de risco, não será beneficiada pela descoberta da vacina.

SÍNDROME DE DOWN



Zan Mustacchi é médico responsável pelo Departamento de Genética Médica do Hospital Estadual Infantil Darcy Vargas e coordenador técnico do CIAM, Centro Israelita de Apoio Multidisciplinar. Evaldo Mocarzel, jornalista e cineasta, é autor de documentários importantes, como “Mensageiras da Luz, Parteiras da Amazônia”, “À Margem da Imagem” sobre os moradores de rua de São Paulo, “À Margem do Lixo” sobre os catadores de papel e “Do Luto à Luta” em que aborda especificamente a síndrome de Down.
No passado, a síndrome de Down era conhecida como mongolismo porque a fenda palpebral inclinada característica dos portadores lembra o formato de olhos dos orientais. Pessoas com Down apresentam outros traços peculiares – cabeça mais achatada na parte de trás, língua protusa, orelhas um pouco menores e implantadas mais abaixo, hipotonia muscular, uma linha única na palma da mão – e comprometimento intelectual.
A síndrome de Down, ou trissomia do cromossomo 21, é causada por um erro acidental na divisão das células durante a fecundação. Como se sabe, todos os tecidos do organismo são formados por coleções de células. O núcleo de cada uma delas contém 46 cromossomos, 23 herdados da mãe e 23 herdados do pai. Nos portadores da síndrome, em vez de dois cromossomos no par 21, existem três cromossomos iguais.
Não faz muito tempo, crianças nascidas com Down eram afastadas do grupo social e familiar e, em geral, não viviam mais do que 30, 35 anos. À medida, porém, que se investiu na estimulação precoce para estimular o desenvolvimento dessas crianças e de suas potencialidades, a expectativa de vida aumentou consideravelmente e, embora num ritmo mais lento, elas se mostraram capazes de vencer as limitações e foram sendo integradas na sociedade.
CARACTERÍSTICAS E CONQUISTAS
Drauzio – O que caracteriza a síndrome de Down?
Zan Mustacchi – Síndrome de Down é um comprometimento vinculado ao excesso de material cromossômico no cromossomo 21 que, em vez de dois cromossomos, passa a contar com três. Isso faz com que o portador da síndrome manifeste três sinais clínicos que o diferenciam da população comum: 1) fenótipo que lembra muito os olhos oblíquos dos orientais, 2) hipotonia, ou seja, musculatura menos eficaz e 3) comprometimento intelectual, denominação que preferimos adotar no lugar de deficiência mental como sugere a Organização Mundial de Saúde.
Drauzio – Crianças com essas características têm algum outro tipo de problema?
Zan Mustacchi – Cinquenta por cento dessas crianças apresentam cardiopatia resultante da hipotonia já presente na vida embrionária. As dificuldades de aprendizagem estão correlacionadas com o grau de comprometimento intelectual. Existem, ainda, outras características do fenótipo próprias da síndrome de Down, como língua mais protusa, por causa da hipotonia associada, bochechas mais redondas e andar característico. No entanto, tudo isso pode ser trabalhado por profissionais e familiares para melhorar a condição dos portadores da síndrome com bons resultados.
Drauzio – O defeito no coração que surge na vida embrionária é necessariamente corrigido por cirurgia?
Zan Mustacchi – O que se sabe é que metade das crianças com Down nascidas com defeito no coração tem indicação cirúrgica absoluta em idade o mais tenra possível. Ou seja, 25% do universo total dos portadores da síndrome precisam necessariamente fazer a cirurgia que, na maioria dos casos, apresenta bons resultados, pois mais de 90% da população operada passa a ter vida praticamente normal, sem nenhum problema.
Drauzio – O que mais a medicina ofereceu de bom para as crianças que nascem com a síndrome?
Zan Mustacchi – Além da melhor qualidade de vida, foi o tempo de sobrevida.  Nos últimos 20 anos, pessoas sem a síndrome tiveram um ganho de sobrevida de dez anos, isto é, a expectativa de vida passou de 60 para 70 anos. Nesse mesmo período, a sobrevida na população com síndrome de Down foi de 25, 30 anos para 60, 65 anos. Portanto, elas ganharam 30 anos de sobrevida com qualidade graças à atenção médica e da família que passaram a receber.
PRIMEIRO IMPACTO 
Drauzio – Você tem uma filha com síndrome de Down. É sua única filha?
Evaldo Mocarzel – Tenho uma filha de nove anos, uma de seis anos com síndrome de Down que fez a cirurgia cardíaca e um menino com três anos.
Drauzio – Como você recebeu a notícia de que sua menina tinha um problema?
Evaldo Mocarzel – Foi um momento extremamente difícil. A gente vai para a maternidade carregando todos os nossos ideais de perfeição e, aí, recebe a notícia de que teve um filho com algum tipo de malformação genética. Sem dúvida, é uma experiência muito dolorida, numa fase perigosa, porque os pais podem desenvolver algum tipo de rejeição ao bebê e, se isso acontecer, ele não será estimulado.
Com o passar dos meses, porém, descobri que a questão é muito mais simples: é um trabalho de estimulação e levar vida comum, normal. Naquele primeiro momento, porém, a sensação foi de um prédio de 60 andares desabando sobre a minha cabeça e eu não sabia o que fazer.
Embora não tenha sido o meu caso, quando fiz o documentário sobre a síndrome de Down, notei certa inabilidade para dar a notícia até na classe médica, por falta da informação necessária para não criar monstros, que não existem, naquele momento de tamanha vulnerabilidade.
Drauzio – Você teve alguma experiência anterior com crianças com síndrome de Down?
Evaldo Mocarzel – Eu tinha um parente distante, primo do primo de minha mãe, que tinha a síndrome, mas convivi pouco com ele, porque antigamente as crianças não eram estimuladas e acabavam confinadas, reclusas mesmo. Foi meu único contato.
Na verdade, tive que fazer um intensivão a partir do nascimento de minha filha, até para dar a notícia para minha mulher com mais calma, para que não levasse o susto que levei. Queria ir contando aos pouquinhos, sobretudo porque tinha feito cesariana e estava se recuperando da anestesia. Eu tinha ouvido que algumas mulheres chegam a perder o leite com o choque da notícia. Então, procurei me informar a respeito antes para poder prepará-la.
No entanto, depois de algum tempo, vi que a anormalidade é um conceito relativo. Meu filho pequeno quebra a casa inteira. Minha filha com Down é super afável, acorda para o mundo de manhã como se fosse uma grande felicidade.
Drauzio – Muitas vezes, os pais de crianças que nascem com problemas genéticos são tomados pela sensação de falha, de fracasso. O que mostra sua experiência sobre a reação diante da notícia de que o filho é portador da síndrome de Down?
Zan Mustacchi – Todos nós esperamos ter um filho o mais perfeito possível, o mais inteligente e mais bonito, e desejamos a ele tudo aquilo que somos e muito mais. Quando nasce uma criança com qualquer disfunção ou malformação, sobre a qual tenhamos estabelecido um conceito anterior de que é uma situação lesiva, o sentimento inicial é de perda, de luto. Perdemos o envolvimento com o futuro do nosso filho e perder o futuro é uma coisa extremamente delicada.
Ao receber a notícia, os pais perdem o alicerce de estrutura da família. Com frequência, eles se queixam da forma como ela foi dada. Entretanto, é importante frisar que é muito difícil dar uma notícia tão delicada e com tamanha repercussão social e de futuro para a família que, de fato, se desestrutura nos primeiros dois meses, mas depois, progressivamente, vai observando que a criança com Down, como todas as outras, tem potencialidades que precisam ser estimuladas. Eventualmente, em alguns casos, a família pode precisar de apoio psicológico.
AFETIVIDADE
Drauzio – Na época em que era estagiário na obstetrícia da Faculdade de Medicina nasceu uma criança com Down. No dia seguinte, uma senhora voluntária que tinha um filho com a síndrome foi chamada por uma enfermeira e assisti ao começo de conversa entre as duas mães. “Olhe, disse ela, isso parece o fim do mundo agora, mas você vai ver como essa criança vai encher sua vida de felicidade”. Muitos anos mais tarde, uma paciente chegou ao consultório desesperada, porque tinha nascido uma netinha com síndrome de Down. Na hora fiquei perplexo e, sem saber o que dizer, repeti a frase que tinha ouvido no tempo de estudante. O fato é que essa senhora sempre me agradeceu aquelas palavras tão verdadeiras, como dizia. O que acontece com essas crianças para serem tão amadas?
Evaldo Mocarzel – Não sei explicar, mas até por serem mais sensoriais, mais substantivas, mais concretas, são mais táteis, abraçam mais. Por exemplo, um dia desses, a família inteira estava reunida na nossa cama e, quando fui dar um beijo na minha mulher, reparei que Joana, minha filha com Down, estava sorrindo. “Do que você está rindo?” perguntei-lhe. “Adoro família”, foi sua resposta. Ou seja, ela teve a percepção de uma cena familiar que nem a mais velha, nem o pequeno tiveram. Como o Dr. Zan falou, ela tem uma percepção diferenciada para algumas coisas.
Por isso, posso afirmar com certeza que essas crianças são extremamente agregadoras da família. Joana é o anjo da guarda da mãe. Quando acordamos de manhã, quer que beijemos todas as pessoas da casa. Não sei se age assim por ter síndrome de Down. Acho até que é uma característica pessoal, dela mesma.
Na verdade, as crianças com Down têm muitas potencialidades afetivas e profissionais que os pais não veem naquele momento inicial, que parece um sorteio de loteria às avessas. Por que fui eu o escolhido? Por que essa maldição bateu na minha porta?
Drauzio – O Evaldo falou que o menino dele é uma criança igual às outras, destrói a casa, quebra tudo, e a menina com Down é muito mais tranquila e sossegada. Crianças com Down são menos agressivas? Existe algum estudo a respeito desse assunto?
Zan Mustacchi – O que existe é a observação dos pais que enfatizam algumas alterações comportamentais nas crianças com Down, que não são nem mais carinhosas, nem mais agressivas, são como qualquer outra criança. Acontece que a atenção paterna é mais dirigida para aquele indivíduo a respeito do qual haviam estabelecido conceitos prévios sobre a falta de capacidade para fazer determinadas coisas e, consequentemente, passam a observar comportamentos e reações que não notaram nos outros filhos.
No caso do Evaldo, como ele frisou bem, o menino é mais ativo, irrequieto. Essa atividade mais intensa talvez possa ser justificada pelo simples fato de ser um menino. Já a menina é mais carinhosa. Isso é o que ele observa. Nenhum estudo provou que essa característica faça parte da síndrome.
EDUCAÇÃO ESCOLAR 
Drauzio – Nos últimos dez anos, o aumento da expectativa de vida das crianças com Down foi de 30 anos, o que é um número astronômico num período tão curto de tempo. A criança nasce, os pais aceitam que ela tem algumas diferenças e, como vivem mais, chega a hora de colocá-las na escola. Em que escola deve ser matriculada? Uma escola comum ou especial?
Zan Mutacchi – Somos pessoas que vivemos atrás de modelos. Isso significa que, diante de um modelo adequado, pertinente, provavelmente iremos imitá-lo.
No que diz respeito à criança com Down, o primeiro ponto é entender que ela tem peculiaridades específicas que demandam atenção especial. Por isso, terá de fazer fisioterapia, fono, terapia ocupacional, por exemplo. Como as outras crianças, porém, deve receber alimentação adequada, o seio materno, se possível, e suporte básico preventivo pediátrico e clínico.
Quando chega a hora de ir para a escola, a pergunta é: que tipo de escola? As escolas especiais têm pertinência para casos muito delicados de autocomprometimento que exijam a atuação profissional especializada. A grande maioria, porém, deve ser matriculada numa escola comum, porque crianças com Down têm potencialidades que precisam ser trabalhadas. O que não pode ser exigido delas em sala de aula é que tenham capacitação didática igual à das outras crianças. Não se deve esperar que aprendam exponenciais e frações, por exemplo. O enfoque deve estar na socialização e na oportunidade de serem alfabetizadas.
O mais importante é cobrar-lhes situações de vida comum, de vida social a fim de habilitá-las para o convívio com a sociedade. Assim, sairão fortalecidas e por si só alcançarão situações sociais de lazer, de trabalho, de amor, de carinho, e estabelecerão vínculos sociais.
Não podemos marginalizar essas crianças. Marginalizar significa colocar para fora, excluir e a intenção hoje é incluí-las num contexto de convivência. Nós, os mais velhos, ainda carregamos muitos preconceitos, porque não tivemos a oportunidade de conviver com pessoas com Down na escola.
OBJETIVOS DO DOCUMENTÁRIO 
Drauzio – Qual era sua intenção quando se propôs realizar um filme tão tocante como esse documentário sobre a síndrome de Down?
Evaldo Mocarzel - Minha intenção era mostrar que há luzes no fim do túnel. Feliz ou infelizmente, o ser humano descobre uma grandeza infinita na dor. A partir do momento em que passa do luto para a luta, ele se torna uma pessoa melhor, mais depurada. Hoje, estou fazendo filmes, estou realizando meu ideal profissional. Se não tivesse sofrido esse impacto, talvez estivesse acomodado no jornalismo. Acho que me tornei um ser mais essencial depois do balanço que tive de fazer na minha vida a partir do nascimento da minha filha.
Repito que o ser humano, feliz ou infelizmente, encontra mais grandeza e solidariedade nesse momento de dor, que não deveria ser tão dolorido assim. Poderia ter sido muito mais tranquilo se percebêssemos o potencial dessas crianças, só que a gente não vê, não percebe. Só mais tarde descobriremos que são agregadoras, afetuosas, com potencialidades profissionais e percepções que a criança comum não tem.
Drauzio – Você acha que o filme pode ajudar mães e pais dos portadores da síndrome?
Evaldo Macorzel – Tive dois objetivos claros nesse filme. Primeiro, ajudar pais e mães a superar uma possível rejeição ao bebê com Down. Só assim, será possível estimulá-lo e levar vida normal. Não rejeitei minha filha, mas passei por uma fase em que rejeitei a situação de dor que invadiu a minha vida.
Quando tudo aconteceu, eu estava atravessando um período extremamente favorável e, subitamente, tive de encarar uma série de problemas. Minha aceitação inicial foi difícil, porque me faltou informação e eu criei um monstro onde não havia nenhum.
Joana fez a cirurgia cardíaca com quatro meses. Entregar um bebê no centro cirúrgico é uma experiência terrível que não desejo ao pior inimigo. Minha mulher tirou de letra, estava tranquila, confiante. Eu não. Para mim, parecia quase impossível dar certo uma cirurgia em que se tira o coração da criança e uma máquina bombeia o sangue enquanto são reconstituídas as cavidades cardíacas. De qualquer forma, esse foi um momento muito importante para mim. Foi o momento da verdade em que a vida me disse: “Chegou a hora de você querer que essa criança vingue”.
Meu segundo propósito ao realizar o documentário foi mostrar pessoas com Down trabalhando, namorando, casando, falando do preconceito, de amor, de morte, da vida. A literatura médica diz que essas pessoas não desenvolvem conceitos abstratos, ou seja, que a grande deficiência cognitiva de obtenção de conhecimento está em aprender conceitos abstratos. O filme mostra que elas questionam Deus, que é um conceito abstrato, vida e morte, dois conceitos abstratos, preconceitos, outro conceito abstrato. Quis que eles falassem dessas coisas e não que um especialista falasse por eles. Talvez por isso o filme seja surpreendente para o público comum, porque todos nós, por puro preconceito, não imaginamos que pessoas com Down transcendam.
CAPACIDADE PARA O TRABALHO 
Drauzio – Todos nós temos limites para o trabalho. Eu não sei consertar relógios, por exemplo. Quais são os limites para o trabalho que têm meninos e meninas com Down?
Zan Mustacchi – Antes de responder a essa pergunta, gostaria de fazer uma ressalva às observações do Evaldo a respeito da cirurgia que a filha fez. Quando se fala em cirurgia extracorpórea, todo mundo pensa que o coração é retirado do corpo. A verdade não é essa. É a circulação do sangue que é extracorpórea. O coração não sai do lugar que ocupa no tórax, enquanto são realizadas as correções necessárias.
Retomando a pergunta a respeito dos limites para o trabalho, temos de considerar que pessoas com Down têm potencial para trabalhar, desde que não executem atividades que possam gerar risco para eles mesmos e para terceiros.
Se alguém se dispuser a ensinar-lhes determinada tarefa, elas aprendem. Aliás, costumo dizer que a dificuldade dos portadores da síndrome não é aprender. É esquecer. Por isso, vira um problema se aprendem errado.
Entretanto, existem situações delicadas em que o comprometimento em desenvolver conceitos abstratos pode prejudicar seu desempenho no contexto laborativo. Então, não é prudente que exerçam tais atividades, mesmo porque existem pessoas mais aptas para a função. No entanto, trabalhos que não dependem de resolução intelectual imediata e urgente, todos eles, as pessoas com Down podem fazer e, aliás, os fazem muito bem. Não se pode esquecer, porém, que o País atravessa uma fase em que arranjar trabalho não é fácil para ninguém e que os portadores de Down têm de competir com pessoas sem a síndrome.
VIDA AMOROSA E SEXUAL 
Drauzio – Meninos e meninas com Down namoram? Como é o relacionamento afetivo e a vida sexual dessas pessoas?
Zan Mustacchi – Todos namoram. Todos têm uma paixão primária, platônica, como a que nós tivemos na vida. Eu, por exemplo, achava a Brigite Bardot uma mulher fantástica. Curiosamente, eles enfrentam um preconceito inicial. “Não quero namorar aquele ali que têm Down”, é a primeira reação, mas depois namoram, amam, têm vida sexual ativa. Hoje até se discute a possibilidade de terem filhos.
Não se pode deixar de enfatizar que eles amam como nós amamos, muito mais intensamente até. Parece que têm um querer maior de fazer carinho, do contato pele a pele, de manter uma convivência contínua e respeitam o outro de forma mais profunda do que as pessoas sem a síndrome.
Drauzio  Evaldo, enquanto você fazia o filme encontrou muitos casais assim?
Evaldo Mocarzel – Encontrei vários casais, inclusive um deles está casado, com vida sexual ativa e escreve um roteiro de ficção comigo. Felizmente, o preconceito da família em aceitar a sexualidade das pessoas com Down está sendo discutido e a mentalidade mudando, porque essas pessoas têm o direito de casar e ter vida sexual ativa como qualquer outro ser humano.
Drauzio – No seu filme, há um trecho comovente em que uma menina expressa seu amor por um garoto, mais ou menos assim: “Eu tô namorando. A minha mãe aceitou. Eu gosto muito dele”, o que a faz absolutamente igual a todas as outras adolescentes.

TENSÃO PRÉ-MENSTRUAL



Mara Diegoli é médica, trabalha no Departamento de Ginecologia do Hospital das Clínicas e é coordenadora do Centro de Apoio à Mulher com Tensão Pré-Menstrual do Hospital das Clínicas da Universidade São Paulo.
Tensão pré-menstrual, ou TPM, é um tema que interessa não só às mulheres, mas aos homens, especialmente. Ela se caracteriza por um conjunto de sintomas e sinais que se manifesta um pouco antes da menstruação e desaparece com ela. Se eles persistirem, não se trata da síndrome de TPM, que está diretamente relacionada com a produção dos hormônios femininos.
Do ponto de vista dos hormônios sexuais, os homens são muito mais simples do que as mulheres. Eles fabricam testosterona cuja produção começa a cair inexorável e lentamente a partir dos 20, 30 anos de idade. As transformações que essa queda provoca no humor masculino são, de certa forma, previsíveis e é por isso que as mulheres dizem que os homens são todos iguais.
Com elas, é diferente. A concentração dos hormônios sexuais varia no decorrer do ciclo menstrual. Assim que termina a menstruação, tem início a produção de estrógeno, que atinge seu pico ao redor do 14º dia do ciclo, quando começa a cair e a aumentar a produção de progesterona. O nível desses dois hormônios, porém, praticamente chega a zero durante a menstruação.
Portanto, em cada dia do mês, a mulher tem uma concentração de hormônios sexuais diferente da do dia anterior e diferente da do dia seguinte. O impacto que isso provoca no humor feminino também oscila de um dia para o outro. Por isso, os homens dizem que as mulheres são difíceis de entender.
DEFINIÇÃO E PRINCIPAIS SINTOMAS
Drauzio – O que é tensão pré-menstrual e quais seus principais sintomas?
Mara Diegoli – Tensão pré-menstrual, ou TPM, é o nome que se dá a uma série de sintomas que se manifestam antes da menstruação. Mas, é preciso estarmos atentos: eles têm de sumir com a menstruação. Caso não desapareçam, não se trata de tensão pré-menstrual.
Os sintomas são variados: irritabilidade, depressão, dor nas mamas e agressividade, que pode e deve ser controlada. Dor de cabeça é outra queixa frequente. A mulher também chora fácil sem saber exatamente por quê e pode explodir sem motivo.
Drauzio – Isso quer dizer que se os sintomas se mantiverem depois da menstruação não podem ser atribuídos à tensão pré-menstrual?
Mara Diegoli – Essa é uma observação muito importante, porque qualquer doença psiquiátrica (a depressão, por exemplo) ou clínica, como a dor de cabeça crônica, podem piorar nesse período. Por isso, não adianta classificar tudo como tensão pré-menstrual, uma vez que seus sintomas aparecem alguns dias antes, pioram na véspera da menstruação e desaparecem com ela.
Drauzio – Quantos dias antes, mais ou menos, eles se manifestam?
Mara Diegoli – É variável. Há pessoas em que aparecem 15 dias antes e outras que só se alteram um ou dois dias antes da menstruação. Neste caso, a mulher está tranquila; de repente, é acometida por dor de cabeça e, no dia seguinte, menstrua. Ou, então, no dia que antecedeu a menstruação, estava no trabalho e aparentemente sem motivo começou a brigar com todos os colegas.
PRINCIPAL CAUSA DA MUDANÇA DE HUMOR
Drauzio – Em termos gerais, qual a explicação para essa mudança de humor?
Mara Diegoli – A principal causa está associada à produção de serotonina, uma substância produzida pelas células nervosas e que, na mulher, oscila de acordo com o período do ciclo menstrual. A serotonina atua sobre o humor das pessoas. Quando seu nível no organismo está alto, ficamos alegres, felizes, bem-humorados. Quando ele cai, ficamos mal-humorados e queremos comer doces para compensar.
Sabe-se que no período pré-menstrual há uma queda nos níveis da serotonina. Sabe-se também que, diferentemente dos hormônios do homem, os hormônios femininos interferem com a produção da serotonina. Isso explicaria os sintomas psíquicos, enquanto os físicos resultam principalmente da própria alteração hormonal.
É claro que não são todas as mulheres que sofrem de tensão pré-menstrual. Algumas são mais sensíveis; em outras, a TPM se manifesta apenas em determinada época da vida.
UM POUCO DE HISTÓRIA
Drauzio – Quais foram os piores casos que você encontrou na clínica?
Mara Diegoli – Vamos contar um pouco de história. Em 1953, Katrine Dalton, uma doutora famosa na Inglaterra, começou a perceber que ficava diferente no período em que menstruava e decidiu investigar por que isso acontecia. Seu trabalho de campo foi realizado em prisões e hospitais. Nas prisões, constatou que um número maior de homicídios ocorria em determinadas fases do ciclo menstrual e, nos hospitais, que aumentava o número de acidentes com os filhos e com as mães, que ficavam mais distraídas nessas fases. Ela exagerou totalmente, porém, quando concluiu que a mulher era dominada por seus hormônios no período pré-menstrual.
Dra. Katrine não percebeu que estava incluindo, no universo analisado, todas as doenças psiquiátricas que, sem dúvida, pioram nesse período.
À paciente que diz – “Coloquei fogo no colchão porque tenho TPM.” – nós explicamos que isso não é TPM. A mulher com TPM tem consciência do que faz e precisa aprender a controlar-se. Se não o fizer, é ela quem sairá perdendo. Na verdade, só conseguimos atingir o autocontrole e um bom desempenho, quando se sabe exatamente o que está acontecendo conosco.
Por isso, no Hospital das Clínicas, a primeira conduta é identificar os casos de TPM e separá-los das outras síndromes psiquiátricas ou clínicas. A mulher precisa saber que TPM existe e que estamos ali para ensiná-la a lidar com o problema. Mulheres sempre tiveram esse distúrbio. Hoje, porém, com sua inclusão no mercado do trabalho, elas estão sobrecarregadas. Correm para levar os filhos à escola, correm no trabalho e, na volta, têm de dar conta dos serviços da casa e dos cuidados com a família. Por isso, atualmente, os sintomas da TPM são mais intensos, mas não justificam em absoluto atitudes malcriadas, agressividade, brigas, nem perder a paciência e bater nas crianças.
FATORES PREDISPONENTES
Drauzio – Existe uma diferença no comportamento fisiológico da tensão pré-menstrual. Há mulheres em que a TPM praticamente inexiste e aquelas que sofrem muito nessa fase.
Mara Diegoli - Eu destacaria três fatores para explicar a TPM. O primeiro é o hereditário. Pessoas cujas mães apresentaram TPM têm maior probabilidade de desenvolver a síndrome.
O segundo é o fator externo. A mulher pode não ter TPM se estiver atravessando uma fase boa da vida e a serotonina sendo produzida em quantidade adequada, mas pode apresentar se estiver passando por situações difíceis, como doença na família, dificuldades econômicas, divórcio, pressão no trabalho. Nesses casos, o nível da serotonina, que já deve estar baixo, cairá mais ainda na segunda fase do ciclo menstrual, quando for produzido o hormônio que o derruba mais ainda.
O terceiro é o fator endógeno. Há mulheres mais sensíveis a mudanças hormonais e as menos sensíveis. Estas podem não ter TPM ou tê-la de uma forma mais gostosa. Por exemplo, conheci uma mulher que pintava a casa nesse período, o que era uma forma agradável de dissipar a ansiedade e tensão que sentia.
INFLUÊNCIA DA FAIXA ETÁRIA
Drauzio – Como flutua a TPM em função da faixa etária. Ela é mais comum nos jovens ou entre as pessoas mais velhas?
Mara Diegoli – Depende do sintoma. Um trabalho que realizamos no HC, em que foram entrevistadas 2.000 mulheres, evidenciou que a TPM é mais frequente após os 30-40 anos de idade, dado corroborado pela literatura médica sobre o assunto. Antes dessa idade, elas nem percebem que vão menstruar. A adolescente chega à escola e de repente sangra e tem cólica, o sintoma mais comum nessa faixa etária. No entanto, aos 30-40 anos, ocorrem com mais frequência os sintomas psíquicos. Elas se sentem mais cansadas e irritadas um ou dois dias antes de menstruar.
Portanto, em adolescentes os principais sintomas são físicos: dor de cabeça e cólica. Deve-se tomar cuidado para não confundir a TPM com possíveis alterações psíquicas características da crise da adolescência, uma fase de transformação tanto do humor quanto do comportamento, uma vez que essas alterações podem agravar-se no período pré-menstrual.
FAZENDO O DIAGNÓSTICO

Drauzio – Quando você recebe uma mulher com queixas de tensão pré-menstrual, como faz para ter certeza de que se trata mesmo desse problema?
Mara Diegoli – A mulher pode e deve fazer o diagnóstico em casa. Para tanto, basta anotar num calendário os dias em que está triste, irritada, com dor de cabeça, chorando fácil e o dia em que menstruou. Se os sintomas começarem um pouco antes e desaparecerem durante a menstruação – não precisa ser no primeiro dia – ela tem TPM.
Drauzio – Obrigatoriamente, os sintomas têm de desaparecer durante a menstruação?
Mara Diegoli – Eles têm de cessar até o fim da menstruação. Caso se prolonguem, não é TPM.  Por isso, para estabelecer um diagnóstico preciso, é importante a mulher observar o que sentiu durante o mês inteiro. Se ficou com dor de cabeça, irritada, deprimida, sem querer sair de casa, chorando à toa, é bom verificar se está perto da menstruação. Assim, também fica mais fácil aprender a controlar-se. Enquanto faz o gráfico e anota os sintomas, ela pode constatar que está entrando na fase da TPM – “Puxa, por isso gritei com meu filho e ia brigar com ele” – e começar a acionar alguns mecanismos para combater os sintomas dessa síndrome.
MECANISMOS PARA COMBATER OS SINTOMAS
Drauzio – Quais são esses mecanismos?
Mara Diegoli – O mais importante de todos é o autoconhecimento. Ninguém pode trabalhar com uma coisa que não conhece, nem ter bom desempenho profissional, social ou familiar. Os hormônios mudam nosso humor? Mudam. Vamos, então, trabalhar com eles. A mulher já venceu tantos obstáculos que conseguirá vencer mais esse facilmente, desde que queira.
Ela sabe que a mudança dos hormônios vai alterar o seu humor, está anotando no calendário e já percebeu que anda mais irritada. Vamos supor que esteja marcada uma reunião com o chefe. Se for à reunião e despejar tudo o que tem vontade e acha que ele deve ouvir, com certeza vai perder o emprego, o que é justo porque não se pode falar tudo aquilo que se pensa. Peneirar o que se diz ajuda a tornar o mundo melhor.
Terminar o namoro pode ser uma idéia mais antiga, mas é conveniente que espere a TPM passar. Nesse caso, há até algumas dicas para os namorados. Evitem estar junto, discutir assuntos sérios ou tomar decisões definitivas nesses dias. Se a esposa está na fase de TPM e começou a ficar brava, o marido pode pegar os filhos para passear a fim de não entrar em atrito com ela, afastando assim a possibilidade de agressões mútuas que não têm cura. A TPM pode passar, mas o que foi dito ou feito jamais será esquecido.
Por isso, é fundamental que a mulher aprenda a controlar-se. Se estiver diante de uma situação difícil, procure adiar a solução para depois que menstruar, quando seu comportamento será diferente. Numa reunião de trabalho, é mais profissional dizer ao chefe que vai analisar um assunto polêmico e depois mandar um relatório por escrito do que ter um destempero e perder o emprego.
Exercícios físicos ajudam muito, porque reduzem a tensão, a depressão e melhoram a autoestima. Está brava, vai dar uma volta no quarteirão, fazer ginástica ou arrumar um armário, que se sentirá melhor.
Drauzio – Existe algum tipo de exercício físico mais adequado?
Mara Diegoli – O que mais se recomenda é o exercício aeróbico, mas nem todas podem fazê-lo. Pular, jogar tênis seria o ideal. No entanto, andar a pé ou de bicicleta em volta do quarteirão, arrumar o jardim ou dançar também resolve. O importante é descarregar a tensão e a ansiedade.
No que se refere à alimentação, existem inúmeras dietas para a TPM, mas basta usar o bom senso. Se a mulher fica inchada, deve comer menos sal; se tem dor de cabeça, que evite fumar e se está ansiosa, não coma nem beba coisas que possam agravar o quadro.
Drauzio – Que tipo de alimentos deixa a mulher mais ansiosa?
Mara Diegoli – Sem dúvida alguma, o café deixa as pessoas mais ansiosas. Portanto, é fundamental diminuir o número de cafezinhos ingeridos nessa fase. O cigarro aumenta a insônia, um dos sintomas típicos da TPM, e a dor de cabeça. Não fumar ajuda a dormir melhor e, dormindo melhor, a ansiedade diminui. Alimentos que aumentem a diurese, por exemplo, chuchu, morango, melancia, salsa e agrião, ajudam desde que a mulher esteja empenhada na própria melhora.
Drauzio – E o açúcar que papel desempenha nessa fase?
Mara Diegoli – Quando cai a serotonina, a mulher sente compulsão por doces. Não há mulher que desconheça o desejo de comer doces nos dias que antecedem a menstruação. O açúcar libera endorfina, substância que transmite sensação de bem-estar, mas que facilita a retenção de água no organismo. Doces engordam e, ao perceber que a menstruação passou e ela não perdeu peso, a tendência é ficar deprimida. Deve-se, então, substituir o doce por um alimento adocicado que não contenha açúcar.
ALTERAÇÕES DA SEXUALIDADE
Drauzio – De que forma a TPM interfere no comportamento sexual feminino?
Mara Diegoli – Na minha tese de doutorado, entre outras coisas, procurei estudar quais as alterações da libido feminina que ocorrem com maior frequência e cheguei à conclusão de que 70% das mulheres estão menos dispostas para a relação sexual na segunda fase do ciclo, isto é, nos 14 dias que antecedem a menstruação. Assim que menstruam, a libido aumenta. É claro que em 30% dos casos acontece exatamente o inverso.
Por isso, aqui fica um conselho para os maridos. Se, embora mais sensível e dolorida, ele se aproxima com carinho e ela corresponde, ótimo! Isso vai melhorar o relacionamento e diminuir a tensão. Se ela, porém, não estiver disposta, não force a barra. A menstruação passa e ela volta a sentir desejo.
Drauzio – Essa fase de aumento da libido coincide mais ou menos com a de aumento da produção de estrógeno. Você poderia falar sobre a produção dos hormônios sexuais femininos durante o ciclo menstrual?
Mara Diegoli – A produção dos hormônios femininos oscila ao longo do mês. Durante a menstruação, ela não tem nem estrogênio nem progesterona. O estrogênio é o hormônio da feminilidade, que deixa a pele mais bonita, a mulher mais alegre, faz desenvolver as mamas, arredonda o quadril e torna a voz mais suave. A partir da menstruação, o nível de estrogênio começa a crescer e atinge o máximo por volta do 14º ou 15º dia, fase em que ocorrem a ovulação e o aumento da libido. A mulher fica mais fogosa, mais alegre e é preciso tomar cuidado se não quiser engravidar.
Depois, o nível de estrogênio vai caindo e a mulher começa a produzir progesterona. Segundo o próprio nome diz – pró-gestare -, trata-se do hormônio da gestação, que prepara a mulher para a gravidez. Se por um lado a deixa mais tranquila, por outro favorece a retenção de líquidos, o aumento de pelos e diminui a imunidade. Em contrapartida, interrompendo a ação do estrogênio, a progesterona impede, por exemplo, o desenvolvimento de câncer de útero. Ela chega para trazer controle e estabilidade, mas provoca alguns sintomas colaterais: inchaço, depressão, aumento de pelos. A segunda fase do ciclo é um período caracterizado por mais inércia e tranquilidade. As mulheres ficam um pouco deprimidas e mal-humoradas, mais quietas e com menos libido.
De repente, os dois hormônios caem por volta do 26º, 28º dia e desaparece o equilíbrio. A queda gradativa do estrogênio provoca os sintomas típicos da TPM. Quando ele volta a crescer, a mulher se sente melhor.
USO DE MEDICAMENTOS
Drauzio – Além dessas medidas gerais, exercícios físicos, redução do sal, controle da impulsividade, há algum remédio indicado para reduzir esses sintomas?
Mara Diegoli – As mulheres de hoje são felizes porque a ciência e a medicina evoluíram muito e há uma série de medicamentos que proporcionam melhor qualidade de vida para elas e para quem convive com elas, porque TPM sempre existiu e vai continuar existindo.
É importante ressaltar que sem tratamento a mulher não vai morrer nem matar ninguém, mas vale a pena resolver o problema tendo em vista a melhora da qualidade de vida.
Quando a TPM for leve, é suficiente tratar os sintomas. Se o problema é dor de cabeça e ela não consegue ler nem escrever naquele dia, prescrevem-se os remédios normais para combater a dor. Caso eles não façam efeito, tenta-se controlar o problema com medicamentos que devem ser tomados o mês inteiro.
Todos os tratamentos que indicamos no Hospital das Clínicas de São Paulo têm o objetivo direto de tratar determinado sintoma. Nunca generalizamos. Nunca é indicado o mesmo tratamento para todas as pacientes.
Se a mulher tentou o primeiro tratamento e não melhorou, se pôs em prática as medidas que indicamos e não melhorou, vamos passar para a segunda etapa com medicamentos mais fortes que vão agir sobre o humor ou sobre os hormônios. Os que mexem com o humor são a primeira opção para a TPM intensa. Embora os sintomas físicos costumem responder bem aos medicamentos, os psíquicos nem sempre o fazem.
Drauzio – Que tipos de medicamentos são esses?
Mara Diegoli - Antigamente quando a mulher falava – “Estou triste, deprimida e chorando por qualquer coisa” – era mandada para o psiquiatra, porque só eles sabiam indicar antidepressivos, medicamentos potentes e com muitos efeitos colaterais. Aí, surgiram no mercado os antidepressivos que só mexem com a serotonina e não provocam efeitos colaterais de sono, nem dopam a mulher, impedindo que ela trabalhe regularmente.
Na minha tese de doutorado, experimentei usar a dosagem mínima de um antidepressivo bastante conhecido, o Prosac. Enquanto o mundo inteiro indicava a dosagem de 20mg a 60mg, indicamos 10mg porque a mulher com depressão por causa da TPM está trabalhando e vivendo normalmente. O sucesso foi grande porque conseguimos provar que com essa dosagem menor é possível afastar os sintomas sem provocar efeitos adversos.
Por que cresceu a vontade de achar cura para a TPM? Porque antes a mulher ficava em casa e ninguém se importava se ela fazia ou não comida para a família. Se brigava com o marido, o problema era só dele. Entretanto, ela saiu de casa e ingressou no mercado de trabalho. Agora, o problema não é só do marido e dos filhos, é de todos. Imagine uma executiva não comparecer a uma reunião ou uma médica deixar de fazer uma cirurgia. O prejuízo é imponderável. Espera-se que a mulher trabalhe e produza. Assim, razões socioeconômicas associadas à força da mídia incentivaram o empenho da indústria farmacêutica e dos donos do dinheiro em resolver o problema. Por coincidência, ficou provado que alguns medicamentos (a fluoxetina)  criados para tratar de outras patologias, como por exemplo a depressão, melhoram a TPM. A dosagem é diferente, pois a doença é diferente. É o único? Não é. Existem outros.
Drauzio – A fluoxetina é indicada para as mulheres apenas durante a fase em que fica tensa ou durante o mês todo?
Mara Diegoli – Essa é a grande polêmica. No meu primeiro trabalho, usei a metade da dosagem e provei que isso trazia bons resultados. Surgiram, porém, outros trabalhos defendendo o uso durante 15 dias, o que ainda é contestável, embora seja economicamente vantajoso. No entanto, é preciso pensar que o medicamento leva no mínimo de uma semana a dez dias para começar a agir. Por isso é que defendo seu uso contínuo, mas há divergências na literatura a respeito do assunto.
No entanto, vamos deixar bem claro que o antidepressivo só deve ser empregado nos casos de sintomas da TPM muito intensos em que a alteração do humor prejudica a vida da mulher.
Drauzio – A indicação desses medicamentos deve ser feita por um médico. A mulher com TPM não pode se automedicar de jeito nenhum, não é?
Mara Diegoli– Não pode. Na verdade, esses medicamentos não são vendidos sem receita médica, o que ajuda a controlar seu uso, e só devem ser indicados depois de avaliação cuidadosa. Em muitos casos está provado que vale a pena usá-los.
Atualmente, estamos pesquisando se interromper o ciclo ou torná-lo estável, evitando a oscilação dos hormônios, tem efeitos positivos sobre a TPM.
RECOMENDAÇÕES IMPORTANTES
Drauzio – Vamos resumir as recomendações para as mulheres em que a tensão pré-menstrual não é intensa.
Mara Diegoli – Primeira recomendação: aprenda a conhecer-se. Anote diariamente o que está sentindo e os dias da menstruação. Verifique se os sintomas aparecem alguns dias antes e desaparecem com ela;
Segunda recomendação: não use a TPM como desculpa . Ela não é desculpa para nada. Se a mulher tem TPM, precisa de tratamento, porque ninguém é obrigado a aguentar seu mau humor. Saber controlar-se é importantíssimo para quem quer crescer pessoal, social e profissionalmente;
Terceira recomendação: exercício físico adianta e merece ser feito;
Quarta recomendação: evite compromissos importantes nos dias de tensão, porque você pode tomar atitudes erradas. Tente adiá-los. No dia seguinte, provavelmente você estará melhor  Quinta recomendação: a mulher precisa aprender a conhecer-se e a viver consigo mesma. Assim ela melhora não só sua qualidade de vida como a de todas as pessoas envolvidas direta ou indiretamente com ela.