domingo, 18 de novembro de 2012

Pesquisa mostra excesso de sal, açúcar e gordura em biscoitos e salgadinhos



Estudo da USP analisou rótulos de 209 produtos de 64 marcas altamente consumidos por crianças

RIO — Num país em que 49% dos adultos e 33,5% das crianças de 5 a 9 anos estão acima do peso, análise feita pela farmacêutica e bioquímica Elisabeth Maciel, da Universidade de São Paulo (USP), em 209 biscoitos, salgadinhos e cereais matinais de 64 marcas constatou excesso de sal, açúcar e gordura nesses alimentos, altamente consumidos por crianças.

A pesquisa, com base nas embalagens dos produtos, foi desenvolvida no núcleo de Nutrição Aplicada, que reúne as faculdades de Economia, Saúde Pública e Ciências Farmacêuticas da USP. E mostra que há excesso demais e informação de menos. A pesquisa constatou que a quantidade de calorias chega a mais que o dobro do limite permitido pela legislação brasileira em 99% das amostras. E, em mais de 50% dos casos, havia sal demais. Se a obesidade continuar a aumentar no ritmo atual no país, em 2022 teremos a mesma parcela de obesos dos Estados Unidos, uma das maiores do mundo. 

— Constatamos também que, apesar dos altos índices de sal, gordura e açúcar, havia apelos ao consumo, como rico em fibras, enriquecido com vitaminas e até brindes e selos de sociedades médicas — avisa Elisabeth.

Segundo o Ministério da Saúde, são gastos mais de R$ 1 bilhão por ano com internações por doenças crônicas, como as cardíacas e diabetes, que têm origem na alimentação inadequada. A farmacêutica diz que é praticamente impossível, lendo os rótulos dos alimentos, saber se o produto é saudável ou não. Não consta, por exemplo, a quantidade recomendável de sal para uma determinada porção de alimento. Assim, não é possível saber se aquilo é pouco ou muito, principalmente em se tratando de crianças, que têm consumo calórico menor:

— Há rótulos que trazem a quantidade para dois biscoitos e meio. Qual mãe dá dois biscoitos e meio para o seu filho?

Em 2010, a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) editou a resolução 24, estabelecendo alertas nas embalagens e publicidade sobre o alto teor desses ingredientes e os males para saúde. A Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação (Abia) entrou na Justiça e, por meio de liminar, suspendeu a medida, alegando que a resolução é inconstitucional, por não ser atribuição da Anvisa regular publicidade. A Associação Nacional de Anunciantes, consultada, diz que não comenta ações na Justiça e que a rotulagem “escapa das suas atribuições”.

Há metas de redução de sal nos produtos

Em nota, a Abia informou que recebeu o estudo na última terça-feira e ainda não pôde analisar a tese, recomendada pela bancada da USP. Segundo a Abia, em 2007, foi feito um acordo com o Ministério da Saúde para redução de ingredientes, que resultou “na eliminação de 230 mil toneladas de gordura trans da composição dos produtos alimentícios em 2009”.

A Abia disse que o foco agora é o sal. Acordo com o governo prevê metas para nove categorias de alimentos, “que devem resultar na retirada de mais de 20 mil toneladas de sódio dos produtos até 2020”, afirmou. Pelo acordo, a indústria se comprometeu a cortar de 7,5% a 19,5% ao ano a quantidade de sal nos biscoitos até 2014. Eduardo Nilson, coordenador substituto de Alimentação e Nutrição do ministério, diz que o próximo alvo de redução é o açúcar.

Discute-se adotar nos rótulos o esquema usado na Inglaterra, semelhante aos sinais de trânsito: verde (adequado), amarelo (acima), vermelho (muito acima). Para o governo, a rotulagem é uma prioridade. Além da resolução suspensa pela Justiça, Nilson afirma que há projetos no Congresso tratando disso:

— Temos todas as evidências científicas que nos embasam na hora de defender a regulação.

Para o gerente técnico do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Carlos Thadeu de Oliveira, o governo não tem uma política consistente e coesa de regulação:

— A tabela nutricional é importante, mas não é suficiente. As empresas adotam de forma parcial os modelos consagrados, induzindo a erro. O que há são compromissos soltos de redução de componentes críticos, como o sódio, com metas que, muitas vezes, são superiores às consideradas adequadas para a saúde. É claro que mudanças na rotulagem têm custo para o fabricante, mas e o custo para a saúde pública?

Um exemplo é a diabetes tipo II. O ex-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia Amélio Godoy Matos lembra que a puberdade traz risco transitório para diabetes, agravado pela obesidade. E conta receber cada vez mais adolescentes no consultório. Para a vice-presidente da Associação Brasileira de Nutrição, Virgínia Nascimento, a alimentação saudável deve começar na infância.

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