Neurociência, medicina e filosofia investigam a busca de um dos ideais mais desejados pelo indivíduo
— A Organização Mundial de Saúde (OMS) rotula a saúde como um estado completo de bem-estar físico, mental e psicossocial; e não a simples ausência de doença — exemplificou o cardiologista Cláudio Domênico, curador do evento, que acredita que a felicidade está associada a estilo de vida. — É o que temos proposto, por exemplo, nos Encontros do GLOBO, ou seja, a busca de atitudes, mudanças de comportamento com o objetivo de vivermos mais e com melhor qualidade de vida.
Domênico lembra que as pessoas mais felizes têm mais saúde e longevidade. Mas se por um lado a felicidade é uma condição vislumbrada por todos e recomendada por especialistas, ela está difícil de ser alcançada em tempos modernos, segundo a psicóloga palestrante Luísa de Castro Costa, pesquisadora do Centro Anna Freud, em Londres.
— Hoje é muito difícil falar sobre tristeza, sobre dificuldades, todos têm que estar felizes o tempo todo. Isto é estimulado principalmente pelo consumo, pelas propagandas — defendeu.
Segundo Luísa, esta necessidade de participar intensamente da vida — e do consumo — acaba por gerar conflitos no ser humano.
— A depressão é a necessidade de agir no mundo e uma incapacidade de fazer isso. Ela é considerada o mal da pós-modernidade — explicou a especialista, que ainda sugeriu que as pessoas precisam primeiro entender que não estaremos felizes o tempo todo. — Não existe vida sem sofrimento, sem conflitos, com os quais temos que lidar. Não adianta tentar se esconder.
Uso da Neurociência para testar o bem-estar
Repensar valores, priorizando relações afetivas e não apenas o acúmulo de bens, foi uma das principais orientações dos especialistas para pessoas que pretendem caminhar rumo à felicidade. O conselho é antigo, mas a fundamentação da ciência hoje comprova esta crença.
O psicólogo João Ascenso, mestre em neurociência pela Universidade de Londres, citou, por exemplo, o estudo do neurocientista da UFRJ, Jorge Moll Neto, com quem desenvolve seu trabalho de doutorado. Uma pesquisa do cientista revelou que o chamado sistema de recompensa mesolímbico do cérebro, onde se manifestam as sensações de prazer, é ativado pelo indivíduo que escolhe fazer o bem.
— Nos experimentos, ele mostrou que quando doamos dinheiro para uma instituição de caridade, ativamos o nosso sistema cerebral de prazer mais intensamente se comparado a quando recebemos dinheiro — afirmou Ascenso. — Isto significa que temos um sistema biológico programado que nos dá mais prazer fisiológico ao doar do que ao receber algo. É uma informação biológica que não tem nada a ver com cultura nem religião e que vira de cabeça para baixo toda a nossa estrutura social.
Segundo Ascenso, a ciência vem estudando assuntos antes relativos às filosofias e religiões, e citou o Brasil como um dos líderes nesta área. A ressonância magnética é o principal instrumento usado nas pesquisas e, com isso, os cientistas podem avaliar as reações cerebrais a cada tipo de estímulo, que são os mais variados. Caridade, relações amorosas e de amizade, confiança e perdão são algumas das ações que foram testadas cientificamente e relacionadas com a felicidade e a saúde.
Para o pesquisador, o ganho desta mudança de perspectiva é definir práticas para desenvolver maior bem-estar psíquico. Segundo ele, inclusive, isto poderia começar a ser aprendido nas escolas.
— Somos praticamente analfabetos emocionais, analfabetos relacionais — apontou Ascenso. — A nossa sociedade está investindo em coisas exteriores, mas a educação não está focando em melhorar a qualidade dos nossos sentimentos, não aprendemos a aprofundar a qualidade das relações que temos com os outros. Não temos estruturas sociais e educacionais que nos ajudem com isso.
Luísa de Castro Costa acredita que o avanço da tecnologia, que acaba promovendo o uso excessivo de aparelhos móveis e de acesso às mídias sociais, pode estar agravando este sintoma.
— O homem é um ser do afeto. Mas com todas estas parafernálias que temos, conseguimos ficar cada vez mais distantes. Nunca estivemos tão perto de tudo e tão distantes de todos nós — afirmou.
Papel da genética foi superestimado
Circunstâncias externas, atividades intencionais e fatores genéticos estão na tríade da chamada Teoria da Felicidade, desenvolvida pela psicóloga Sonja Lyubomirsky, pesquisadora da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos.
O que João Ancenso lembrou durante o debate é que as ações exteriores representam apenas 10% dos fatores que influenciam na felicidade, e que a genética, apesar de ainda representativa, está cada vez menos determinante. Ele citou o desenvolvimento da Epigenética, ciência que estuda as formas de ativação do nosso material genético. A exemplo disto, o desenvolvimento de alguns tipos de câncer estão relacionados à genética, mas também ao estilo de vida, como a escolha por fumar ou não praticar exercícios físicos.
— Estamos descobrindo que a genética não é tão determinista como se pensava — explicou Ascenso. — Nós temos a capacidade e o potencial de desenvolver programas educacionais, treinamentos de preparação das pessoas, para desenvolver estratégias práticas que aumentem a felicidade.
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