RIO - Como que respondendo aos anseios da sociedade por mudanças comportamentais, a pílula anticoncepcional foi lançada em 1960, quando o movimento feminista ganhava força no mundo todo e a liberdade sexual era uma de suas bandeiras. Quase 40 anos depois, uma outra pílula viria novamente responder às demandas de uma população que se tornava cada vez mais longeva e buscava formas de viver esses anos extras em plenitude. Se o contraceptivo abriu as portas para o sexo por prazer, é possível dizer que o Viagra garantiu a possibilidade de que esse prazer se estendesse por muito mais tempo. Os fundadores do amor livre respiraram aliviados.
- A pílula traz uma mudança de paradigma: a mulher passa a poder decidir entre fazer sexo para reproduzir ou para ter prazer, de forma mais segura, eficaz e prática. O surgimento do Viagra veio para marcar um prolongamento da vida sexual para idades mais avançadas - afirma a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora de estudos em sexualidade da USP.
A pílula azul em formato de diamante foi descoberta por acaso. Químicos da Pfizer trabalhavam num remédio para problemas cardiovasculares quando começaram a registrar efeitos colaterais que faziam a alegria dos voluntários do estudo, todos eles com mais de 50 anos. A ação do remédio é simples: ele produz um relaxamento da musculatura dos corpos cavernosos do pênis, permitindo o influxo de sangue e, assim, a ereção.
- Havia poucas alternativas para o tratamento da disfunção erétil, e elas envolviam injeções intrapenianas e, em casos mais extremos, próteses - afirma o diretor médico da Pfizer no Brasil, Eurico Correa.
Um remédio de uso oral, praticamente sem contraindicações, que solucionava com eficácia o problema era bom demais pra ser verdade. Não tinha como falhar.
Um ano consagrado ao sexo
A nova droga foi lançada com pompa, circunstância e muita publicidade em 1998 — declarado pelo jornal inglês “Independent”, como “o ano do sexo”. Foi naquele ano que a série “Sex and the City” chegou à TV nos EUA, tornando-se imediatamente um grande sucesso, e pelo menos dois homens ganharam as manchetes com grande estardalhaço por suas indiscrições sexuais (George Michael, num banheiro em Los Angeles; e Bill Clinton, no Salão Oval da Casa Branca). Além disso, claro, o início da comercialização do novo remédio colocava fim ao maior pesadelo de todo homem: a impotência.
O mais amplo estudo sobre o problema já realizado no Brasil, pelo grupo de Carmita, apontou que 45% da população masculina acima dos 40 anos não está satisfeita com a qualidade de sua ereção — um percentual muito alto e bastante semelhante aos aferidos internacionalmente. As queixas pioram conforme a idade avança. Ou seja, a nova droga tinha um potencial de mercado gigantesco.
Rapidamente tornou-se um dos medicamentos mais vendidos no mundo e alterou por completo o sexo na terceira idade. Homens de até 70, 80 anos, que já tinham desistido da vida sexual há muito tempo voltaram à ativa, num movimento que também teve um impacto direto em suas parceiras. Casamentos renasceram, mas muitos também afundaram de vez diante das novas demandas.
- Eu tinha perdido o apetite, digamos assim - conta o analista de sistemas que se identificou apenas como Antônio, de 69 anos, usuário do remédio há dez anos. - Só falei para minha mulher depois de ter tomado pela primeira vez. Ela gostou, lógico, mas ameaçou processar o laboratório quando eu disse de brincadeira que queria morrer como um garanhão.
Relacionamentos ruins, explicam os especialistas, jamais poderiam ser salvos pelo novo remédio — que garante a ereção, sim, mas somente mediante desejo pela parceira, não se trata de algo puramente mecânico.
Na esteira do Viagra, diversas novas drogas com efeitos similares chegaram ao mercado, como Cialis e Levitra. No ano passado, a patente do Viagra expirou no Brasil, abrindo caminho para a produção de genéricos, o que baixou consideravelmente o preço do medicamento. Hoje, um comprimido custa cerca de R$ 7. A Pfizer, por sua vez, também baixou o preço de seu medicamento de marca para fazer frente à nova concorrência.
- Calculamos um aumento de 60% no número de usuários dos remédios - diz o chefe do Departamento de Sexualidade Humana da Sociedade Brasileira de Urologia, Geraldo Eduardo de Faria.
Diferentemente do que ocorre na Europa e nos EUA, os remédios para disfunção erétil no Brasil não são vendidos sob retenção da receita. A facilidade do acesso fez crescer muito o que eles chamam de “uso recreacional” dos comprimidos. Pessoas que não têm problemas de disfunção usam as pílulas para “melhorar a performance sexual”, algo que nenhum estudo científico comprova.
- Resolvi usar porque, com a idade, não é que diminua a libido, mas o desempenho cai. É difícil ter três relações numa mesma noite com facilidade. Em determinados dias, em que você está muito cansado ou chateado, só consegue transar uma vez. Então, o remédio é um facilitador. Sinto mais segurança e posso proporcionar um prazer maior - conta Paulo, um engenheiro de 46 anos que começou a usar a droga depois que se separou.
Há também homens muito mais jovens, de 20 anos ou menos, usando os remédios e mesmo misturando-o a álcool e outras drogas. Além disso, alertam os médicos, a disfunção erétil é consequência de algum problema de saúde que precisa ser tratado, além de ser um marcador precoce para problemas cardiovasculares.
- Ninguém sabe qual será a consequência do uso por essa geração tão nova, que ainda não envelheceu - pondera o urologista Valter Javaroni, consultor da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia do Rio de Janeiro. - E como os remédios são vendidos sem receita, perdemos a oportunidade de identifica o hipertenso, o diabético, o cara que tem o colesterol alto, o obeso sedentário.
CRONOLOGIA
1960 - As primeiras pílulas anticoncepcionais começam a ser comercializadas nos EUA, libertando as mulheres do pavor da gravidez indesejadas, abrindo caminho para o sexo por prazer e fundando a geração do amor livre.
1998 - O Viagra é lançado pela Pfizer, com estardalhaço. Trata-se de uma pílula praticamente sem contra-indicação e que soluciona com bastante eficácia a disfunção erétil. Até então, os tratamentos para a impotência eram raros, caros e pouco eficazes, envolvendo injeções e até próteses.
2003 - Outros remédios para tratar a disfunção erétil chegam ao mercado, como o Cialis e o Levitra. Embora com princípios ativos diferentes, os medicamentos atuam de forma similar ao Viagra (relaxando a musculatura dos corpos cavernosos do pênis e permitindo o
influxo de sangue) e com igual eficácia.
2008 - A pesquisa Mosaico Brasil, realizada pelo Projeto Sexualidade da USP, é lançada. Trata-se da maior pesquisa sobre sexualidade já feita no Brasil, envolvendo 8 mil pessoas em todo o país. Os números mostraram que 45% dos homens acima dos 40 anos não estavam satisfeitos com a qualidade de sua ereção e que esse percentual aumentava conforme a idade avançava.
2012 - Cai a patente do Viagra no Brasil e diversos medicamentos genéricos são lançados no mercado, baixando o preço das pílulas e ampliando em 60%, segundo a Sociedade Brasileira de Urologia, o número de usuários.