domingo, 6 de janeiro de 2013

‘Superidosos’ descobrem como viver melhor e quase dobram em dez anos



Todos os dias, Antonia Amorim Karg acorda cedo e vai para a academia de ginástica “puxar ferro”. Depois de exercitar os músculos com halteres de até dez quilos, com a ajuda de um personal trainer ela caminha por 40 minutos na esteira, sempre em marcha rápida. Prestes a completar 90 anos, Antonia exala energia e é o exemplo de um novo segmento chamado de quarta idade, formado por pessoas acima de 80 anos.
Até há pouco tempo considerados quase espécimes raros, os ‘superlongevos’ praticamente dobraram em Bauru na última década, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entre 2000 e 2010, esta população cresceu 79,8%, somando atualmente 6.699 pessoas. E a expectativa é que o crescimento siga em ritmo acelerado.
O ‘boom’ que levou à criação de uma nova terminologia para definir as infladas legiões de octogenários, nonagenários e centenários pode ser explicado por uma série de fatores. Entre eles, está a evolução da medicina tanto em diagnóstico quanto em terapêutica e a mudança no estilo de vida das pessoas com a adoção de atividades físicas e hábitos alimentares mais saudáveis.
Antonia, por exemplo, tem a disposição de uma garota. Além de frequentar a academia, ela dirige carro, mora sozinha e nunca abre mão do salto alto. Já participou de aulas de dança e pilates. O segredo de tanta saúde, ela revela, são os exercícios físicos aliados a uma alimentação balanceada.
“Não como carne vermelha, gosto de legumes e verduras. Eu me cuido, sigo ‘na ponta da faca’ tudo o que o médico recomenda e sou muito feliz”, conta ela, com a experiência de quem já enfrentou um câncer e um infarto. “Esses dias, meu cardiologista olhou meus exames e ficou incrédulo. Não tenho nada”, completa a aposentada, que também joga baralho uma vez por semana para “trabalhar a cabeça”, como ela diz.
Assim como Antonia, a pensionista Izabel de Oliveira Medina, com “quase” 81 anos, também é dona do próprio nariz. Além de cantar em coral, estudar francês e literatura e escrever matérias para o jornal da Universidade Aberta à Terceira Idade, vinculada à Universidade Sagrado Coração (USC), ela tem uma grande paixão: colocar as mãos no volante e o pé na estrada.
“Adoro viajar sozinha, com meu carro, para visitar parentes. Nunca levei multa, nunca bati o carro, mas não sou palerma no trânsito. Eu gosto de andar rápido, mas aprendi a não abusar porque as multas estão muito altas. Posso dizer que dirijo bem”, garante ela, que possui carta há “apenas” 25 anos. Para poder encarar as rodovias, no entanto, ela participou de dois cursos de mecânica “não para mexer, mas para entender sobre carro”.
Avanços
Do alto de seu salto agulha e roupa bem cortada, a estrutura franzina de Izabel se impõe. Os filhos, ela conta, já estão acostumados com sua personalidade independente. “Eu não sofro de solidão e não gosto de depender de ninguém. É bom ter um tempo só nosso e poder fazer nossas próprias escolhas”, pondera.
Para a presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Sílvia Pereira, o desenvolvimento de novos medicamentos e vacinas, procedimentos diagnósticos modernos e o aumento da procura por tratamentos preventivos fez com que essa população alcançasse maior longevidade com boa saúde. “As pessoas não morrem mais, por exemplo, tanto de doenças infecciosas como antes. Além do avanço das técnicas científicas, as pessoas também estão mais preocupadas com seu processo de envelhecimento, buscam se alimentar melhor e desenvolver atividades físicas e intelectuais”, comenta.
Geriatra em Bauru, o médico Luciano Humberto Soares Camargo considera que esta grande mudança cultural, estimulada inclusive pela conscientização promovida por intermédio dos meios de comunicação, contribui até mesmo para a o prolongamento da vida sexual dos idosos. O tema, entretanto, ainda tratado como tabu pela conservadora sociedade brasileira.
“Além de terem uma vida social mais ativa, há medicamentos que melhoram a vida sexual. Mas este é um assunto pouco abordado dentro do consultório médico. Falta orientação para o idoso”, argumenta ele, que participou, nesta semana, da 5ª Conferência Regional da Pessoa Idosa, realizada nesta semana na Instituição Toledo de Ensino (ITE).
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Canto e poesia
Também membro integrante da chamada quarta idade, a dona de casa Zenaide Lopes Sacomandi não é adepta da prática regular de exercícios físicos. Mas sua insaciável busca por conhecimento fez com que chegasse aos 80 anos com boa memória e plena lucidez.
A saúde, entretanto, permanece intacta, o que permitiu que ela morasse sozinha nos últimos sete anos, desde que ficou viúva. “Faço almoço e cuido de toda a casa, porque acho que ninguém faria melhor do que eu”, argumenta.
Além de dispensar qualquer ajuda no cumprimento dos afazeres domésticos, Zenaide se dedica ao coral da Universidade Aberta à Terceira Idade, vinculada à Universidade do Sagrado Coração (USC), estuda espanhol e escreve poesias, uma de sua grandes paixões. “Também viajo com o coral. Todo ano vamos para Poços de Caldas (MG) e às vezes vou a São Paulo para assistir a peças de teatro. Gosto dessa vida agitada. Na verdade, não sinto que tenho 80 anos. Para mim, o tempo não passou”, sentencia.
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Mulher é maioria
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a nova geração de “superlongevos” é formada majoritariamente por mulheres. De um total de 6.999 pessoas com 80 anos ou mais vivendo em Bauru, 4.309 são mulheres e 2.390 são homens.
Na avaliação da psicóloga Gislaine Aude Fantini, coordenadora da Universidade Aberta à Terceira Idade, vinculada à Universidade do Sagrado Coração (USC), o resultado é reflexo da preocupação maior do público feminino com a saúde e a beleza. Já os homens, formados dentro de uma sociedade machista, resistem em procurarem ajuda que, inconscientemente, simbolizaria fragilidade e falibilidade.
“Elas procuram mais os consultórios para realizar exames preventivos. O homem ainda tem um certo preconceito. Historicamente, a expectativa de vida deles sempre foi inferior à da mulher, até porque se expõem mais a riscos. Mas eles, de maneira geral, também estão mais atentos quanto à saúde”, comenta.
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Quarta idade conquista espaços 
O aumento de 79,8% dos “superidosos” em Bauru na última década fez com que também fosse ampliado o leque de possibilidades para que esta população possa exercitar a mente, o físico e o convívio social. Na cidade, além da Universidade Sagrado Coração (USC), pelo menos outras três universidades oferecem cursos abertos à terceira e à quarta idades. E clubes como Serviço Social do Comércio (Sesc), Serviço Social da Indústria (Sesi), Associação dos Aposentados e o Programa Municipal de Assistência ao Idoso (Promai) também promovem atividades culturais, sociais, intelectuais e de lazer para esse público.
Nesta semana, a prefeitura inaugurou uma academia ao ar livre projetada para os idosos, localizada na praça Gastão Vidigal, no Jardim Ferraz. O espaço é o primeiro da cidade que terá uma equipe de profissionais, como assistentes sociais e psicólogos, que três vezes por semana irão acompanhar os idosos na realização dos exercícios.
Na avaliação da psicóloga Gislaine Aude Fantini, coordenadora da Universidade Aberta à Terceira Idade, vinculada à Universidade do Sagrado Coração (USC), esta expansão dos serviços respalda a mudança de postura que caracteriza esta nova geração de idosos. Conforme ela destaca, a figura das pessoas com idade mais avançada sentadas em uma cadeira de balanço aguardando o fim da vida já foi totalmente superada.
“Agora, as mulheres se arrumam, se preocupam com a aparência. Hoje, o idoso tem interesse em continuar aprendendo, traça planos e renova objetivos de vida. E esta possibilidade de se atualizar e se envolver é respaldada em praticamente todos os bairros da cidade, que desenvolvem atividades voltadas especificamente para ele ”, observa.
Mas, se por um lado as opções de entretenimento são variadas na cidade, o panorama não é tão positivo quanto à estrutura do sistema de saúde para atender a esta nova demanda. De acordo a presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia Sílvia Pereira, atualmente faltam geriatras para atender a quantidade de idosos, embora considere que a escassez de profissionais já foi mais grave em anos passados.
Presidente do Conselho Municipal da Pessoa Idosa (Comupi) em Bauru, Ana Maria de Micheli Benjamim destaca ainda que faltam políticas públicas e locais voltados às pessoas idosas com problemas visuais, auditivos ou de fala. Também questiona a necessidade de ampliação do acesso da pessoa idosa a atividades de lazer, esportivas e culturais por meio da criação de novos espaços públicos gratuitos.


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