Carne de vaca criada em laboratório, dieta à base de insetos, pão sem farinha de trigo... e outras inovações que prometem virar a mesa
MARCELO MOURAin
Na segunda-feira (5), o holandês Mark Post apresentou um hambúrguer numa cozinhamontada num estúdio de TV em Londres, na Inglaterra. O escritor Josh Schonwald e a cientista Hanni Rützler, convidados a provar o hambúrguer, o acharam pouco suculento. A degustação em Londres, testemunhada por ÉPOCA, foi apenas um pequeno passo para a gastronomia. Mas pode representar um grande salto para a humanidade. O hambúrguer de Post, cientista da Universidade Maastricht, na Holanda, foi feito de 20 mil fibras musculares produzidas a partir de células-tronco, reproduzidas em laboratório. É uma carne de vaca sem vaca.
A carne de vaca sem vaca, que Post pretende lançar no mercado em dez anos, poderá se tornar uma alternativa para evitar uma crise alimentar digna das previsões do economista britânico Thomas Malthus. No século XVIII, Malthus defendeu o controle de natalidade para evitar a fome mundial. Não foi necessário. Ganhos de produtividade no campo atenderam à explosão populacional. Hoje, a pecuária ocupa cerca de 30% das terras cultiváveis – situação que se agrava à medida que mais consumidores emergem socialmente. Segundo um relatório divulgado em maio pela Organização das Nações Unidas (ONU), o consumo de carne dobrará até 2050. Para atender à demanda por proteínas, a ONU defende alternativas como o consumo de insetos. Comparado a um grilo, o hambúrguer sintético pode até ser uma opção saborosa.
Há mais experimentos em laboratório, principalmente no campo da engenharia genética, para aumentar a produção de alimentos mais nutritivos e mais resistentes a pragas. Um salmão geneticamente modificado, com mais carne, está à espera da aprovação pela Food and Drug Administration (FDA), o órgão de vigilância sanitária americano. Outro produto é o leite de vacas geneticamente modificadas, que não causa reações alérgicas. Há pesquisas também para a retirada do trigo da dieta. Todas essas inovações podem conduzir a hábitos alimentares radicalmente diferentes no futuro. O hambúrguer sintético promete revolucionar a humanidade em sua raiz mais profunda. O homem se diferenciou dos demais primatas quando passou a comer carne. Segundo a hipótese mais aceita pela ciência, a ingestão de carne, uma dieta mais rica que a baseada em frutas e folhas, permitiu a um grupo de primatas adquirir as características típicas dos humanos: cérebro avantajado e postura bípede. “Comer carne permitiu a nossos ancestrais aumentar o corpo sem perder mobilidade, agilidade ou socialização”, diz a antropóloga Katharine Milton, da Universidade Berkeley, em seu artigo Uma hipótese para explicar o papel de comer carne na evolução humana. “Essa dieta pode também ter proporcionado energia necessária à expansão do cérebro.”
A primeira evidência da introdução da carne na dieta dos nossos ancestrais tem 3,4 milhões de anos. Foi localizada na Etiópia: ossos de grandes mamíferos, com golpes de pedra lascada, chamados de “golpes de açougueiro”. “Hominídeos fizeram isso”, diz David Braun, arqueólogo da Universidade da Cidade do Cabo. “Chimpanzés não reconhecem grandes animais, ou carcaças deixadas por outros predadores, como comida.” Para obter proteína de grandes animais, nossos ancestrais organizaram-se em grupos e desenvolveram ferramentas. Num sentido amplo, é o que fazemos até hoje. A relação entre o homem e sua alimentação moldou a sociedade, de tal forma que foi impossível, até hoje, conceber um sem o outro. Segundo a Bíblia, no sexto dia Deus criou o gado. Só depois, o homem.
A caçada em conjunto foi o primeiro arranjo social dos ancestrais do homem. “Os grupos não iam além de 40 caçadores. Mulheres dedicavam-se a cuidar da prole, a fazer artigos de couro e a manter o acampamento”, diz o livro Beef (inédito no Brasil), dos historiadores Andrew Rimas e Evan Fraser. O esfriamento da Terra, no fim do período geológico do Pleistoceno (de 2,6 milhões a 11.700 anos atrás), levou à extinção da megafauna, na qual existiam mamíferos de 3 toneladas, e pôs em xeque a organização social em caçadores nômades. Há 11 mil anos, o homem passou a controlar a produção de sua comida. São dessa época as mais antigas evidências da agricultura, encontradas na África. O naturalista Charles Darwin descreveu a evolução da agricultura em seu clássico A origem das espécies (1859): “A arte foi bem simples, seguida quase inconscientemente. Consistiu em sempre cultivar a melhor variedade conhecida. Quando uma variedade ligeiramente melhor, ao acaso, surgia, era escolhida. E assim por diante.”
Assim tem sido desde então – e as recentes inovações alimentares são mais um passo nessa longa trajetória. “Um milharal, ou qualquer campo de cultivo, é tão artificial quanto um microchip, uma revista ou um míssil”, afirma Tom Standage, editor da revista The Economist, em seu livro An edible history of humanity (Uma história comestível da humanidade, numa tradução livre). O milho que consumimos hoje nada mais é que um aprimoramento genético do teosinte, uma gramínea de poucos grãos, cobertos por uma casca dura, cultivada pelos astecas há 7 mil anos. A domesticação de animais seguiu um roteiro semelhante. Começou há 10 mil anos na África, com ovelhas e cabras, e na China, com porcos. A seleção artificial feita pelos homens levou a animais com cérebro menor, inferiores em visão e audição, menos aptos a viver sozinhos e mais dóceis. “Ao conseguir uma fonte de suprimento mais farta e confiável, a agricultura proporcionou a base para novos estilos de vida e sociedades mais complexas”, diz Standage.
Assim tem sido desde então – e as recentes inovações alimentares são mais um passo nessa longa trajetória. “Um milharal, ou qualquer campo de cultivo, é tão artificial quanto um microchip, uma revista ou um míssil”, afirma Tom Standage, editor da revista The Economist, em seu livro An edible history of humanity (Uma história comestível da humanidade, numa tradução livre). O milho que consumimos hoje nada mais é que um aprimoramento genético do teosinte, uma gramínea de poucos grãos, cobertos por uma casca dura, cultivada pelos astecas há 7 mil anos. A domesticação de animais seguiu um roteiro semelhante. Começou há 10 mil anos na África, com ovelhas e cabras, e na China, com porcos. A seleção artificial feita pelos homens levou a animais com cérebro menor, inferiores em visão e audição, menos aptos a viver sozinhos e mais dóceis. “Ao conseguir uma fonte de suprimento mais farta e confiável, a agricultura proporcionou a base para novos estilos de vida e sociedades mais complexas”, diz Standage.
A seleção das espécies mais adequadas proporcionou um salto de produtividade na alimentação humana, liberou mão de obra para outras tarefas e permitiu que a população urbana ultrapassasse a população rural no começo do século XXI. O que acontecerá com os novos alimentos alternativos sintetizados em laboratórios, cujo cultivo dispensa largas extensões territoriais? Não é de duvidar que os limites entre cidade e campo, local de produção e local de consumo de alimentos sejam novamente redefinidos. Uma nova era na alimentação humana acaba de começar.
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