O primeiro hambúrguer feito a partir de células-tronco de vaca projeta um futuro em que a carne será produzida em pequenas fazendas urbanas
FELIPE PONTES, DE LONDRES
O hambúrguer de laboratório parece mais natural que os servidos em cadeias de sanduíches fast-food. Ele não leva conservantes, tem a cor forte de carne vermelha e, ao ser tostado, fica com a textura levemente irregular de um hambúrguer caseiro. Na comparação, seu congênere do McDonald’s parece pálido. Na última terça-feira, num encontro com o cientista holandês Mark Post, o criador do hambúrguer de laboratório, pude vê-lo de perto e segurá-lo por 30 segundos. Pedi para prová-lo. Post disse que a amostra que ele carregava numa caixa de isopor (uma das três preparadas por ele) não seria boa para degustação, porque estava fria e fora preparada três dias antes. Uma outra amostra – cada uma custou R$ 750 mil – foi comida por Post e por sua equipe há cerca de três meses. Uma terceira, de 140 gramas, fora grelhada na véspera pelo chef britânico Richard McGeown diante de uma plateia de cientistas e jornalistas. Ela foi dividida em dois pedaços. Metade foi guardada para os filhos de Post (uma garota de 14 anos e um garoto de 13) e para a equipe de produção do evento. A outra foi degustada por Post e por dois provadores independentes: o escritor americano Josh Schonwald, autor do livro The taste of tomorrow (O sabor do amanhã), e a cientista austríaca Hanni Rützler, especializada em nutrição.
Hanni disse que o hambúrguer tinha o gosto “intenso”, mas podia ser mais “suculento”, apesar da “consistência impressionante”. Schonwald disse que “a sensação da mordida é a mesma de um hambúrguer comum”. “Antes de testá-lo, imaginava que a textura seria estranha, mas ela é familiar como a de um hambúrguer normal. Imaginava também que o gosto seria repulsivo, mas ele me pareceu neutro”, afirmou a ÉPOCA. O que faltou? Segundo Schonwald, “gordura”. “A carne me pareceu extremamente magra. Isso seduz pessoas em busca de proteínas sem gordura”, disse. “Mas, para carnívoros como eu, a gordura teria dado ao hambúrguer de laboratório mais sabor.”
Hanni disse que o hambúrguer tinha o gosto “intenso”, mas podia ser mais “suculento”, apesar da “consistência impressionante”. Schonwald disse que “a sensação da mordida é a mesma de um hambúrguer comum”. “Antes de testá-lo, imaginava que a textura seria estranha, mas ela é familiar como a de um hambúrguer normal. Imaginava também que o gosto seria repulsivo, mas ele me pareceu neutro”, afirmou a ÉPOCA. O que faltou? Segundo Schonwald, “gordura”. “A carne me pareceu extremamente magra. Isso seduz pessoas em busca de proteínas sem gordura”, disse. “Mas, para carnívoros como eu, a gordura teria dado ao hambúrguer de laboratório mais sabor.”
Post reconhece esse problema. Ele trabalha para produzir pedaços de carne com vasos sanguíneos, para incrementar o sabor de seu hambúrguer. “As melhorias levarão dez anos, até que ele possa ser vendido”, afirmou. Carnes com corte para churrasco, como picanha ou alcatra, certamente levarão mais tempo. Post prevê que “chegará uma hora em que poderemos criar o que quisermos, até carne de pinguim”.
Professor de fisiologia na Universidade de Maastricht, na Holanda, Post levou cinco anos para criar o hambúrguer de laboratório, desenvolvido a partir de células-tronco retiradas da região do pescoço da vaca (leia o quadro na página 72). Desde maio de 2010, a pesquisa contou com o apoio financeiro de Sergey Brin, o bilionário fundador do Google. Nos últimos anos, Brin fundou também a empresa de testes genéticos 23andMe, estudou a viabilidade de fazer mineração em asteroides, investiu na empresa de voo espacial privado Space Adventures e desenvolve, por meio do Google, carros que dirigem sozinhos. Num vídeo, Brin disse que apoiou a pesquisa, principalmente por uma preocupação com o bem-estar animal. “As pessoas têm uma imagem errada sobre a produção moderna de carne, ao imaginar fazendas impecáveis com poucos animais”, disse. “Não me sinto confortável em ver como essas vacas são realmente criadas.”
Professor de fisiologia na Universidade de Maastricht, na Holanda, Post levou cinco anos para criar o hambúrguer de laboratório, desenvolvido a partir de células-tronco retiradas da região do pescoço da vaca (leia o quadro na página 72). Desde maio de 2010, a pesquisa contou com o apoio financeiro de Sergey Brin, o bilionário fundador do Google. Nos últimos anos, Brin fundou também a empresa de testes genéticos 23andMe, estudou a viabilidade de fazer mineração em asteroides, investiu na empresa de voo espacial privado Space Adventures e desenvolve, por meio do Google, carros que dirigem sozinhos. Num vídeo, Brin disse que apoiou a pesquisa, principalmente por uma preocupação com o bem-estar animal. “As pessoas têm uma imagem errada sobre a produção moderna de carne, ao imaginar fazendas impecáveis com poucos animais”, disse. “Não me sinto confortável em ver como essas vacas são realmente criadas.”
Aflições morais com o sofrimento de animais e ecológicas, por causa do impacto da produção de carne no meio ambiente, são dois dos principais estímulos para o desenvolvimento da carne de laboratório. De acordo com um relatório de 2013 da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, em inglês), a demanda por carne, impulsionada pela ascensão de uma classe média em países emergentes como China e Brasil, deverá dobrar até 2050. Ao mesmo tempo, a criação de animais para alimentação humana já é responsável pela emissão de 18% dos gases poluentes no mundo, consome 27% da água que usamos e ocupa 33% das terras aráveis do planeta. Um aumento nesses números poderá, portanto, ter consequências drásticas para o planeta. Uma opção é estimular o consumo de fontes alternativas de proteína como os insetos (leia mais na página 74). Mas a carne ainda é o produto proteico mais desejado do mundo. Imagine um pai de família chinês que nunca pôde, mas agora tem meios de colocar carne no prato dele e do filho.
>> A dieta do trigo
Na semana passada, a Peta (Pessoas para o tratamento ético dos animais, na tradução do inglês), uma das maiores organizações em defesa dos animais no mundo, divulgou um comunicado em apoio às pesquisas de Post. “A carne de laboratório pode aliviar todos os problemas éticos com o sofrimento de animais e a poluição do planeta”, diz a filósofa Cornelia van der Weele, da Universidade Wageningen, na Holanda. Para ela, a carne de laboratório apresenta também pelo menos uma vantagem em relação aos alimentos geneticamente modificados. “Como uma carne in vitro causa estranheza por si só, os cientistas usam nela células normais, que não são manipuladas”, diz. Hanna Tuomisto, pesquisadora do Instituto para o Ambiente e Sustentabilidade, na Itália, aponta outros benefícios. “Ao ser produzida em condições controladas, a carne de laboratório pode evitar o avanço de doenças animais”, afirma. Num ambiente asséptico de um laboratório, a carne tem menos chance de ser infectada com bactérias comuns em fazendas. E o produto em si não teria antibióticos, usados abundantemente na criação dos animais.
Segundo os cálculos de Post, uma célula-tronco de vaca poderá gerar, no futuro, 20.000 toneladas de carne, volume suficiente para produzir 175 milhões de hambúrgueres – quantidade que exige hoje, pelos métodos naturais, o abate de mais de 440 mil vacas. Evidentemente, dada a incipiência de muitos aspectos de uma tecnologia recém-desenvolvida, tal cenário ainda parece ficção. O que pode torná-lo uma realidade nem tão remota é uma questão econômica. É certo que a carne que conhecemos e consumimos ficará mais cara no Brasil e no mundo. Em países como Grã-Bretanha e Estados Unidos, a carne de qualidade já é considerada um produto para os mais abastados. Cedo ou tarde, isso acontecerá também no Brasil, invertendo a queda de preços das últimas décadas. Segundo o estudo Pecuária brasileira: produtividade e efeito poupa-terra, publicado em 2011 pela Embrapa, a carne valia, em junho de 2010, em São Paulo, 30% do valor que tinha em 1973. “O valor relativo da carne caiu em relação à renda do trabalhador, mas a tendência é que ela fique cada vez mais cara, porque a demanda será maior que a oferta”, diz Fernando Sampaio, diretor executivo da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne. “Principalmente a bovina, cuja produção é mais demorada.”
O sonho de Post é conseguir igualar algum dia os preços de seu hambúrguer e do natural, num mundo em que pequenas fazendas urbanas transformarão a produção artificial de carne em algo caseiro e ecológico. “No futuro, talvez comeremos a carne de laboratório no dia a dia e guardaremos a carne de verdade para ocasiões especiais, como festas e feriados”, diz a filósofa Cornelia van der Weele. Um cenário semelhante é contemplado no primeiro capítulo do livro de Schonwald, o escritor americano que provou o hambúrguer de laboratório. Nele, Schonwald imagina um cliente em 2035, encomendando a carne do animal que quiser no restaurante com o melhor “biorreator” da cidade. Hoje, isso ainda pode parecer futurismo barato. Mas essa é uma acusação que poderia ter sido feita também a Winston Churchill em 1931, quando ele publicou um artigo na revista britânica The Strand. O artigo dizia que, “em 50 anos, nós escaparemos do absurdo de criar uma galinha inteira para comer seu peito ou asa, porque cultivaremos essas partes separadamente”. Mais de 80 anos depois, a previsão de Churchill, num presente em que os primeiros hambúrgueres de laboratório começam a ser produzidos, já não soa absurda.
Na semana passada, a Peta (Pessoas para o tratamento ético dos animais, na tradução do inglês), uma das maiores organizações em defesa dos animais no mundo, divulgou um comunicado em apoio às pesquisas de Post. “A carne de laboratório pode aliviar todos os problemas éticos com o sofrimento de animais e a poluição do planeta”, diz a filósofa Cornelia van der Weele, da Universidade Wageningen, na Holanda. Para ela, a carne de laboratório apresenta também pelo menos uma vantagem em relação aos alimentos geneticamente modificados. “Como uma carne in vitro causa estranheza por si só, os cientistas usam nela células normais, que não são manipuladas”, diz. Hanna Tuomisto, pesquisadora do Instituto para o Ambiente e Sustentabilidade, na Itália, aponta outros benefícios. “Ao ser produzida em condições controladas, a carne de laboratório pode evitar o avanço de doenças animais”, afirma. Num ambiente asséptico de um laboratório, a carne tem menos chance de ser infectada com bactérias comuns em fazendas. E o produto em si não teria antibióticos, usados abundantemente na criação dos animais.
Segundo os cálculos de Post, uma célula-tronco de vaca poderá gerar, no futuro, 20.000 toneladas de carne, volume suficiente para produzir 175 milhões de hambúrgueres – quantidade que exige hoje, pelos métodos naturais, o abate de mais de 440 mil vacas. Evidentemente, dada a incipiência de muitos aspectos de uma tecnologia recém-desenvolvida, tal cenário ainda parece ficção. O que pode torná-lo uma realidade nem tão remota é uma questão econômica. É certo que a carne que conhecemos e consumimos ficará mais cara no Brasil e no mundo. Em países como Grã-Bretanha e Estados Unidos, a carne de qualidade já é considerada um produto para os mais abastados. Cedo ou tarde, isso acontecerá também no Brasil, invertendo a queda de preços das últimas décadas. Segundo o estudo Pecuária brasileira: produtividade e efeito poupa-terra, publicado em 2011 pela Embrapa, a carne valia, em junho de 2010, em São Paulo, 30% do valor que tinha em 1973. “O valor relativo da carne caiu em relação à renda do trabalhador, mas a tendência é que ela fique cada vez mais cara, porque a demanda será maior que a oferta”, diz Fernando Sampaio, diretor executivo da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne. “Principalmente a bovina, cuja produção é mais demorada.”
O sonho de Post é conseguir igualar algum dia os preços de seu hambúrguer e do natural, num mundo em que pequenas fazendas urbanas transformarão a produção artificial de carne em algo caseiro e ecológico. “No futuro, talvez comeremos a carne de laboratório no dia a dia e guardaremos a carne de verdade para ocasiões especiais, como festas e feriados”, diz a filósofa Cornelia van der Weele. Um cenário semelhante é contemplado no primeiro capítulo do livro de Schonwald, o escritor americano que provou o hambúrguer de laboratório. Nele, Schonwald imagina um cliente em 2035, encomendando a carne do animal que quiser no restaurante com o melhor “biorreator” da cidade. Hoje, isso ainda pode parecer futurismo barato. Mas essa é uma acusação que poderia ter sido feita também a Winston Churchill em 1931, quando ele publicou um artigo na revista britânica The Strand. O artigo dizia que, “em 50 anos, nós escaparemos do absurdo de criar uma galinha inteira para comer seu peito ou asa, porque cultivaremos essas partes separadamente”. Mais de 80 anos depois, a previsão de Churchill, num presente em que os primeiros hambúrgueres de laboratório começam a ser produzidos, já não soa absurda.
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