Um novo estudo questiona os benefícios
da dieta na prevenção de doenças como
o câncer. Mas ele é cheio de falhas. Acredite:
há alimentos que podem, sim, ajudá-lo a ter
uma vida mais saudável
Paula Neiva
Otavio Dias de Oliveira
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Os especialistas que questionam a validade dos dados divulgados agora acreditam que o tempo de estudo – oito anos – é insuficiente para descartar possíveis benefícios da dieta a longo prazo. Outro ponto duvidoso é expandir para a população como um todo os dados obtidos por meio da análise restrita a mulheres com idade acima de 50 anos e na pós-menopausa. Além disso, os pesquisadores recomendaram a redução do consumo total de gorduras e não diferenciaram, na análise, os subtipos de gordura presentes na dieta. Sabe-se que as gorduras saturadas e trans são extremamente danosas à saúde e aumentam os riscos de infarto, derrame e diabetes, mas gorduras poliinsaturadas protegem as artérias e possuem ação antioxidante, o que reduz os riscos de formação de tumores malignos. Há ainda outro problema: o desenho inicial do estudo previa uma diminuição de 20% no consumo de gorduras, mas as pacientes não conseguiram atingir a meta. No primeiro ano, a redução foi de apenas 10,7%. No sexto ano de acompanhamento, a taxa foi ainda menor: 8%. "Todas essas considerações mostram que o estudo é falho", afirma a oncologista Nise Yamaguchi, pesquisadora da Universidade de São Paulo.
Embora a nutrição seja um dos ramos mais especulativos da medicina, a influência dos alimentos sobre a saúde é um tema recorrente na literatura médica há séculos. O artigo mais antigo a esse respeito de que se tem notícia foi escrito 2.600 anos antes de Cristo. Ele relaciona o ritmo elevado e forte dos batimentos cardíacos com a ingestão exagerada de alimentos temperados com sal marinho. No século XVIII, foi publicado o estudo considerado o clássico dos clássicos da literatura médica sobre o tema, em que o médico escocês James Lind discorre sobre a relação entre o escorbuto e o consumo de limão. Depois que foi demonstrado que os marinheiros que ingeriam a fruta, rica em vitamina C, não tinham escorbuto, as frutas cítricas tornaram-se obrigatórias no cardápio da Marinha britânica. No século XX, proliferaram estudos científicos de peso sobre o cardápio nosso de cada dia. Na década de 70, o Estudo dos Sete Países, coordenado por pesquisadores da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, mostrou, pela primeira vez, que existem gorduras saudáveis e outras nocivas ao organismo. Ao longo de doze anos, a equipe analisou a dieta e o tecido adiposo de europeus, americanos e japoneses. Os resultados indicaram que, nas regiões onde é grande a ingestão de gorduras saturadas, houve maior acúmulo de adiposidade nas artérias e, conseqüentemente, aumentou a incidência de doenças cardíacas. No fim da década de 80, foi identificado um tipo de gordura diferente, a trans. Os estudos sobre ela se multiplicaram e, cerca de dez anos depois, descobriu-se finalmente que a trans é o tipo mais perigoso de gordura, pois eleva o colesterol ruim, o LDL, e diminui o bom, o HDL. Com a sua ingestão, aumentam consideravelmente os riscos de infartos, derrames, diabetes e outras doenças. Em 2000, a FDA, a agência do governo americano que controla alimentos e remédios naquele país, incluiu a gordura trans na lista dos alimentos a ser consumidos com moderação. E o cerco a ela se aperta. Há três anos, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determinou que, até o mês de julho deste ano, todos os rótulos de produtos industrializados vendidos no Brasil informem a quantidade de gordura trans em sua composição.
Nos últimos dez anos, dezenas de pesquisas sobre dieta e alimentação foram realizadas por grandes universidades e centros de saúde dos Estados Unidos e da Europa e outras tantas ainda estão em andamento. Nesse período, houve grandes descobertas e constatações importantes, como as de um estudo publicado no mês passado por pesquisadores da Universidade de Londres. Os ingleses revisaram dados de cerca de 300.000 pessoas, em vários países, e chegaram à conclusão de que comer mais frutas, verduras e legumes diminui o risco de derrame cerebral em até 26%. Outra pesquisa abrangente, divulgada no ano passado pelo Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos, que acompanhou 500.000 pessoas de dez países europeus e avaliou a influência do consumo de carnes na incidência do câncer colorretal, concluiu que o consumo diário de mais de 160 gramas de carne vermelha aumenta em 35% o risco de desenvolver o câncer e a ingestão de no mínimo 80 gramas de peixe por dia está relacionada à redução do risco desse tipo de tumor em 30%.
Existe uma profusão de constatações a respeito de como a chave da saúde está na mesa. Há dois anos, médicos de Harvard reviram as principais pesquisas sobre dieta e saúde feitas na década anterior. Eles atribuíram a uma alimentação equilibrada a capacidade de prevenir 25% de todos os tipos de câncer. Se a dieta for combinada com exercícios físicos, os efeitos serão ainda melhores. Ela pode evitar até nove de cada dez casos de diabetes tipo 2 e reduzir o risco de doenças cardíacas em 90%. "Sabe-se há vários anos que certos tipos de alimentos são saudáveis, especialmente frutas, verduras, legumes e grãos", diz o relatório. A diferença é que na última década se descobriu por que isso acontece. Hoje, os cientistas podem apontar os nutrientes específicos e outras substâncias contidas nos alimentos que combatem doenças, incluindo vitaminas e minerais. O tomate, por exemplo, é rico em licopeno, um pigmento que, além de dar cor ao fruto, auxilia na prevenção do câncer de próstata. Os benefícios da substância são ainda maiores se o tomate for cozido e acompanhado de um fiozinho de azeite, o que melhora sua absorção. Outra revelação foi que peixes de águas profundas e geladas, como salmão, bacalhau, sardinha e atum, contêm uma gordura ótima para a saúde, o ômega-3. Ela ajuda a diminuir a possibilidade de formação de coágulos nas artérias. Uma série de estudos recentes mostra que a gordura também reduz dores de artrite, melhora a depressão e protege o cérebro contra doenças, entre elas o Alzheimer.
Apesar do enorme volume de informações, existem muitos pontos obscuros a respeito da relação entre alimentação e saúde. "Na verdade, essa é uma área em que ainda há mais perguntas do que conclusões", diz o endocrinologista Ricardo Botticini Peres, de São Paulo. Por isso mesmo, alguns alimentos ora são considerados benéficos, ora maléficos. Nada ilustra melhor esse vaivém científico que as considerações sobre o café e seu principal componente, a cafeína. Na década de 50, a FDA considerou a cafeína boa para o consumo. Em 1978, a mesma agência colocou em dúvida a segurança da substância. Em 1988, pesquisadores americanos afirmaram que o consumo de duas xícaras de café por dia poderia levar à redução da fertilidade feminina. Menos de uma década depois, outro estudo americano descartou essa hipótese. E, finalmente, no ano passado, uma pesquisa de peso, coordenada pelos Institutos Nacionais de Saúde, nos Estados Unidos, concluiu que consumir café sem cafeína pode aumentar os riscos de doenças do coração. O mesmo ocorreu com o chocolate. Antigo vilão das dietas saudáveis (por conter alto teor de gordura e açúcar), ele foi inocentado por estudos que apontam os benefícios da guloseima para a memória e para o combate ao colesterol alto.
A partir das pesquisas sobre o impacto da dieta sobre a saúde, foram montadas cartilhas da boa alimentação, pirâmides alimentares e guias que orientam portadores de determinados problemas de saúde, como o diabetes tipo 2, doença que afeta cerca de 170 milhões de pessoas no mundo. Nesse caso, especificamente, a dieta desempenha um papel fundamental, como mostrou um amplo levantamento de Harvard, realizado há cerca de um ano. O guia da alimentação saudável para diabéticos ou pessoas com propensão a desenvolver a doença foi elaborado pela universidade com base em evidências científicas inquestionáveis. São 48 páginas com explicações minuciosas sobre o efeito dos alimentos no controle da doença e até receitas específicas para esse grupo. Todas requerem o controle rigoroso do consumo de carboidratos, como batata e arroz, e de sal.
As primeiras cartilhas alimentares surgiram na década de 70, como instrumentos de orientação do grande público. Eram esquemas relativamente toscos, que classificavam os alimentos segundo sua função – construtores, energéticos e reguladores. O primeiro guia em forma de pirâmide surgiu em 1992, criado pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. Em linhas gerais, essa pirâmide propunha o corte das gorduras e era extremamente liberal no consumo de carboidratos. Passados dez anos, a Universidade Harvard apresentou uma nova versão da pirâmide, que incluía exercícios físicos e na qual o corte radical das gorduras e a ingestão indiscriminada de carboidratos não apareciam mais como garantia de saúde. O novo desenho recomendava a ingestão de carboidratos ricos em fibras, como pães e grãos integrais, e de gorduras insaturadas. No ano passado, a pirâmide alimentar ganhou outra versão do Departamento de Agricultura americano. Foram incorporadas modificações como o aumento das porções de frutas, hortaliças e de grãos integrais e a redução da quantidade de gordura saturada. Seu visual também é diferente. Suas faixas não são horizontais, mas verticais – o que significa que não se deve deixar de comer nada. Essa é a primeira pirâmide que permite ao usuário calcular uma dieta personalizada, levando em conta seu estilo de vida, pela internet (www.mypyramid.gov).
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