Publicidade em maços e pontos de venda mostra
criança rejeitando comida por causa de fumaça
de cinzeiro (Foto: Ministério da Saúde/Divulgação)
Cerca de 420 mil brasileiros deixaram de morrer por causa do fumo entre 1989 e 2010 devido às políticas públicas adotadas no período, segundo cálculos feitos por um modelo matemático americano adaptado ao país pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca), cujos resultados foram publicados nesta terça-feira (6) na revista "PLoS Medicine".
As políticas públicas incluem a implantação de leis antifumo, aumento de impostos sobre cigarros, diminuição da publicidade de marcas nos meios de comunicação e as imagens fortes de doenças que podem acometer os fumantes publicadas nas embalagens.
Segundo o pesquisador da divisão de epidemiologia do Inca, André Szklo, de 1989 até 2050 seria possível salvar 7 milhões de brasileiros por parar de fumar ou nem começar. Além das mortes, as medidas evitariam vários tipos de câncer, problemas respiratórios e doenças cardiovasculares, entre outras.
"Se o país não tivesse implementado nenhuma política, em 2010, 31% da população seria fumante, ou seja, uma em cada três pessoas com 18 anos ou mais. Atualmente, com o que foi feito, temos 16,8% de fumantes. Essa diferença de quase 50% na prevalência representa muitas mortes que foram evitadas", avalia Szklo, que trabalhou em conjunto com a chefe da divisão do Inca, Liz Maria de Almeida.
Segundo as previsões do instituto, mesmo se nada mais for feito até 2050, a tendência é de que o número de fumantes no Brasil continue diminuindo e chegue a 10,3%. Caso o controle seja reforçado, com o preço do cigarro mais alto e uma maior restrição à publicidade, a vida de mais 1,3 milhão de pessoas poderia ser poupada nos próximos 38 anos – além das 7 milhões já calculadas.
"Mas não basta ter a lei, é preciso aplicá-la. Sabemos que adolescentes menores de 18 anos ainda conseguem comprar cigarro no país. Outro ponto é que, quanto menos pessoas fumarem no ambiente de trabalho e nos restaurantes, haverá uma norma enraizada de que aquilo é proibido e faz mal", diz o pesquisador do Inca.
Essa estratégia, na opinião de Szklo, serviria para "desnormalizar" o cigarro, que deixaria de ser visto como algo socialmente aceitável. O cientista cita como exemplo os antigos cigarrinhos de chocolate vendidos no Brasil, que poderiam estimular crianças e adolescentes a fumar e, desde 2002, foram proibidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Ação destaca efeitos do cigarro, como impotência e doenças terminais (Foto: Ministério da Saúde/Divulgação)
Modelo americano
O cálculo que o Inca usou se baseia no modelo conhecido como SimSmoke, criado pela Universidade Georgetown, em Washington, nos EUA, e usado por outros 30 países. Segundo o cientista David Levy, do departamento de ncologia da universidade, esse instrumento usa equações matemáticas para identificar os efeitos que ocorrem em pessoas que começam a fumar, em indivíduos que interrompem o vício ou em quem sofre recaídas ao longo do tempo.
"O Brasil é líder entre os países mais bem-sucedidos no controle do tabaco, e serve de exemplo para outras nações, como os EUA, que poderiam evitar milhões de mortes com avisos mais fortes de saúde e novos impostos sobre os cigarros", afirma Levy.
Segundo ele, as imagens chocantes contribuem para que as pessoas deixem de fumar ou sejam desencorajadas a começar. Apesar de esses alertas de saúde serem uma política pública importante, porém, o americano acredita que a taxação dos produtos é a principal medida.
Posição da indústria
Procurada pelo G1, a Associação Brasileira da Indústria do Fumo (Abifumo) informou que não teve acesso ao estudo do Inca nem à metodologia usada por ele. Por essa razão, reserva-se o direito de não comentar a pesquisa.
Em relação às ações de suas empresas associadas, que incluem a Souza Cruz e a Philip Morris, a Abifumo disse que as companhias comunicam claramente em seus sites os riscos à saúde que o fumo pode causar. Além disso, as marcas imprimem, nas embalagens e nos pôsteres fixados em pontos de venda, as advertências aprovadas pela Anvisa.
A Abifumo apontou, ainda, que as empresas associadas "cumprem rigorosamente a legislação regulatória vigente".
Em nota, a Souza Cruz divulgou que "apoia as políticas de regulamentação do setor de tabaco, desde que sejam equilibradas e atendam a todas as partes interessadas, incluindo a cadeia produtiva do tabaco, a indústria, os fumantes e os não fumantes".
Fumantes no Brasil
Dados do Inca apontam que 25 milhões de pessoas fumam atualmente no país. Segundo a mais recente Pesquisa Especial de Tabagismo (PETab), feita em 2008, do total de homens brasileiros, 21,4% fumam e, do total de mulheres, 13% têm o vício.
A maior concentração de fumantes estava na Região Sul, com 19% da população local ou 4 milhões de pessoas. Em seguida, vinham o Sudeste (10 milhões), Nordeste (6,6 milhões), Norte (1,8 milhão) e Centro-Oeste (1,7 milhão).
A PETab foi feita em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na época da realização da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2008. O próximo levantamento do Inca sobre o tema deve ser feito no ano que vem e vai entrar na Pesquisa Nacional de Saúde, da qual também participará a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Este ano, em abril, o Ministério da Saúde divulgou a pesquisa Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), realizada nas 26 capitais e no Distrito Federal. Os resultados mostraram que os fumantes representam menos de 15% da população brasileira.
O número de fumantes pesados, que consumiam mais de 20 cigarros por dia, também havia caído, para 4,3%. Apesar disso, 11,8% das pessoas eram fumantes passivas. Segundo o ministério, o Sistema Único de Saúde (SUS) gasta R$ 19 milhões por ano com diagnóstico e tratamento de doenças provocadas apenas pelo tabagismo passivo.