sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Aprecie com moderação


Da melhora do sistema cardiovascular à redução do risco de asma: cada vez mais pesquisas revelam os ganhos que traz o consumo moderado de álcool

Vivian Carrer Elias
vinho
Vinho: bebida traz vários benefícios à saúde graças a uma substância chamada resveratrol (Thinkstock)
O consumo de álcool, ao longo da história, sempre foi associado à saúde. Embora o alcoolismo seja um problema gravíssimo de saúde pública, consumido moderadamente, o álcool pode ser um aliado no combate a diversas doenças. Nos últimos anos, várias pesquisas observaram os benefícios que um consumo moderado de bebida alcoólica pode trazer. A redução de risco de doenças cardiovasculares, neurodegenerativas, artrite e asma são alguns deles, junto com a melhora do quadro de diabetes e o aumento do nível de HDL, ou "colesterol bom", no sangue.
É importante ressaltar, porém, que nenhum estudo relacionou esses benefícios à ingestão de grandes quantidades de bebida alcoólica — pelo contrário, o consumo em excesso só oferece prejuízos à saúde. As vantagens vêm somente com uma ingestão moderada. Para o cardiologista e professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Protásio Lemos da Luz, essa quantidade corresponde a cerca de 30 gramas de álcool por dia, o mesmo que uma ou duas taças de vinho. Também é importante lembrar que muitas dessas pesquisas são de observação, ou seja, analisaram os benefícios em pessoas que consumiram determinada quantidade de álcool, mas não explicam os mecanismos do organismo que levaram a tal.
Existem, contudo, pistas de como o álcool atua no organismo. O que já se sabe é que ele acarreta dilatação dos vasos e aumento do chamado colesterol "bom", o HDL. Essas ações melhoram a função vascular, já que os vasos dilatados se tornam mais flexíveis e resistentes. Além disso, o HDL não deixa as plaquetas se acumularem no sangue, evitando infartos. Esses fatores podem explicar estudos que associam redução do risco de doenças cardiovasculares, melhora do colesterol e de problemas inflamatórios ao consumo de bebida alcoólica. (continue lendo a reportagem)

O que dizem as pesquisas

Os últimos estudos sobre os benefícios do álcool comentados por especialistas

8 de 8

Pessoas que bebem moderadamente apresentam menores riscos de desenvolver doenças cardiovasculares

Instituição: Hospital Pitié-Salpêtrière, Paris, França

Publicação: European Journal of Clinical Nutrition

Como foi feita: A pesquisa avaliou características biológicas e clínicas, como fatores de risco de doença cardiovascular, de quase 150 mil pessoas. Elas foram divididas em grupos de acordo com o consumo de álcool: baixo, ou até 10 gramas por dia; moderado, ou de 10 a 30 gramas por dia; e alto, ou mais de 30 gramas por dia. Pessoas que bebiam moderadamente apresentaram perfis clínicos e biológicos mais favoráveis e com menor risco de desenvolver doenças cardiovasculares.
Opinião do especialista: "A maioria das pesquisas sobre o assunto demonstraram exatamente essa relação do consumo moderado de álcool com a diminuição de doenças cardiovasculares. Isso se deve ao fato de o álcool proteger, de alguma maneira, os vasos, fazendo com que os problemas cardiovasculares fossem menores naqueles que ingeriam bebida alcoólica moderadamente do que nos abstêmios. Isso não se deve apenas a uma ação, mas sim ao conjunto delas." – Dr. Protásio Lemos da Luz.

Consumo moderado de álcool aumenta o colesterol “bom”

Instituição: Universidade de Calgary
Publicação: British Medical Journal
Como foi feita: Um estudo analisou 63 pesquisas existentes sobre consumo de álcool e níveis de colesterol e gordura. Concluíram que a ingestão de 15 gramas de qualquer bebida alcoólica por mulheres e 30 gramas por homens aumentou significativamente o colesterol HDL.
Opinião do especialista: "O álcool e o resveratrol, presente no vinho, estimulam a produção do colesterol 'bom'. Ele funciona como um 'lixeiro', que limpa as placas presentes nas artérias responsáveis por entupi-las. Mas aumentar o HDL não significa que diminuímos o LDL, que é o colesterol 'ruim'. Isso só é obtido com uma alimentação correta." – Dr. Saulo Cavalcanti, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia.

Silício presente na cerveja pode ajudar a fortalecer os ossos e combater a osteoporose

Instituição: Universidade da Califórnia, Estados Unidos

Publicação: Journal of the Science of Food and Agriculture

Como foi feita: O estudo analisou a quantidade de silício presente em diversos tipos de cerveja e relacionou com o impacto da substância no organismo. Os pesquisadores verificaram que as cervejas comerciais apresentavam entre 6,4 e 56,5 miligramas de silício por litro da bebida, e que as bebidas à base de cevada continham mais silício do que as feitas de trigo. Para eles, essas quantidades de silício na cerveja já podem ser benéficas para o organismo e para o fortalecimento dos ossos.

Opinião do especialista: "O silício é um micronutriente presente em certos tipos de cerveja. Ele participa da composição de enzimas que ajudam no processo de calcificação. Consumi-lo, portanto, auxilia no fortalecimento dos ossos e evita a osteoporose. Mas, como é um micronutriente e não está presente em quantidade abundante na cerveja, não dispensa a necessidade da ingestão de cálcio – o principal macronutriente responsável pelo fortalecimento dos ossos." – Dr. Márcio Passini, presidente do Comitê de Osteoporose e Doenças Osteometabólicas da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia.

Consumo moderado de álcool pode reduzir a gravidade da artrite reumatoide e até evitar o problema

Instituição: Universidade Britânica de Sheffield
Publicação: Rheumatology, da Sociedade Britânica de Reumatologia
Como foi feita: Foram acompanhados 873 pacientes que sofriam de artrite reumatoide e comparados com um grupo de 1.004 pessoas que não sofriam da doença. Eles responderam a perguntas sobre frequência de consumo de álcool no mês anterior, passaram por exames radiológico e sanguíneo e tiveram suas articulações examinadas. Pacientes que beberam com mais frequência mostraram menos danos nas articulações, níveis mais baixos de inflamação, inchaços e limitação do que aqueles que bebiam nunca ou raramente. Abstêmios tiveram quatro vezes mais chances de contrair a doença do que pessoas que bebiam álcool dez dias ao mês.
Opinião do especialista: "A pesquisa vai na mesma linha de outros estudos que demonstraram o efeito protetor do álcool moderado. A artrite reumatoide é uma doença inflamatória crônica e acomete as articulações do corpo. O álcool pode ter efeito anti-inflamatório, evitando enfartes, por exemplo. Talvez por a artrite ser um problema inflamatório, o consumo de álcool seja eficaz em auxiliar a melhora da doença. Mas ainda são associações." – Dra. Ieda Magalhães, professora colaboradora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e médica assistente do Hospital das Clínicas.

Vinho tinto melhora no tratamento de câncer de mama

Instituição: Cleveland Clinic’s Lerner Research Institute, Estados Unidos

Publicação: Cancer Letters

Como foi feita: Testes de laboratório identificaram que o resveratrol presente no vinho tinto intensifica a ação de remédios para tratamento de câncer de mama. Consumir uma taça da bebida ao dia, segundo o estudo, pode evitar que as células cancerígenas se tornem resistentes aos medicamentos.

Opinião do especialista: "O resveratrol é antioxidante e, por isso, ajuda a manter o metabolismo mais saudável. O envelhecimento celular, causado pela oxidação das células, é uma das causas do câncer, já que quanto mais velha a célula fica, maiores as chances de o DNA se alterar, causando câncer de mama ou outros. Porém, o álcool em excesso lesa o fígado e aumenta o risco do câncer nas mamas." – Dr. José Roberto Filassi, mastologista chefe do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo.

Pequena dose diária de álcool ajuda na prevenção do Alzheimer e em outras doenças neurodegenerativas

Instituição: Universidade Loyola de Chicago, Estados Unidos

Publicação: Journal of Alzheimer’s Disease

Como foi feita: Um grupo de pesquisadores analisou 143 estudos prévios sobre álcool e doenças neurodegenerativas, envolvendo 365 pessoas em dados coletados desde 1977. Eles compararam pessoas consumiam pouco e não consumiam bebida alcoólica e concluíram que aqueles que consumiam muito, ou seja, mais de cinco doses diárias, tinham mais chance de ter essas doenças; mas pessoas que bebiam de uma a duas doses de álcool por dia apresentaram 23% menos de chances de ter esse problema.

Opinião do especialista: "O álcool pode ter algum efeito sobre essas doenças, mas não é certo. Se tiver, é muito modesto. Não há explicações para esses dados, mas é possível compreender que algo que seja recomendado para problemas cardiovasculares também seja para o cérebro, já que são semelhantes em alguns aspectos. Por exemplo, o sistema nervoso é constituído de lipídios que predispõem doenças cardiovasculares e também neurológicas. Talvez os efeitos benéficos do álcool em dose pequena abranjam o metabolismo dos lipídios, mas não se sabe ao certo." – Dr. Cícero Galli Coimbra, professor de neurologia da Universidade Federal de São Paulo.

Dois a três copos de cerveja por dia pode ajudar a combater diabetes e previne hipertensão

Instituição: Universidade de Barcelona, Hospital Clínico de Barcelona e Instituto Carlos III de Madri
Como foi feita: O estudo foi realizado com 1.249 homens e mulheres acima de 57 anos. Os pesquisadores concluíram que até dois copos de cerveja para mulheres e três para homens podem prevenir hipertensão e combater a diabetes.

Opinião do especialista: "Os benefícios do álcool nos vasos poderiam ajudar uma pessoa que tenha diabetes controlado. Tudo depende de como e quanto ingerir. O álcool poderia favorecer o problema durante as refeições, já que quando comemos a glicemia no plasma aumenta. A bebida alcoólica, por sua vez, diminui a glicemia, e seu nível não sobe tanto durante as refeições." – Dr. Protásio Lemos da Luz.

Pessoas que bebem moderadamente apresentam menores riscos de desenvolver doenças cardiovasculares

Instituição: Hospital Pitié-Salpêtrière, Paris, França

Publicação: European Journal of Clinical Nutrition

Como foi feita: A pesquisa avaliou características biológicas e clínicas, como fatores de risco de doença cardiovascular, de quase 150 mil pessoas. Elas foram divididas em grupos de acordo com o consumo de álcool: baixo, ou até 10 gramas por dia; moderado, ou de 10 a 30 gramas por dia; e alto, ou mais de 30 gramas por dia. Pessoas que bebiam moderadamente apresentaram perfis clínicos e biológicos mais favoráveis e com menor risco de desenvolver doenças cardiovasculares.
Opinião do especialista: "A maioria das pesquisas sobre o assunto demonstraram exatamente essa relação do consumo moderado de álcool com a diminuição de doenças cardiovasculares. Isso se deve ao fato de o álcool proteger, de alguma maneira, os vasos, fazendo com que os problemas cardiovasculares fossem menores naqueles que ingeriam bebida alcoólica moderadamente do que nos abstêmios. Isso não se deve apenas a uma ação, mas sim ao conjunto delas." – Dr. Protásio Lemos da Luz.






Curva em J — O vinho tinto é uma das bebidas mais associadas, se não a mais, a tais benefícios. Isso não acontece é à toa. Além do teor alcoólico, possui um componente químico chamado resveratrol, que vem da casca de determinados tipos de uva, mas também pode ser encontrado no mate, em chás, na cebola e na maçã. Além de, como o álcool, melhorar a função vascular, tem função antioxidante (combate o envelhecimento das células) e ajuda a manter o organismo mais saudável. “Com a idade, o metabolismo das pessoas se desacelera, se oxida. As substâncias antioxidantes atrasam esse processo”, explica o mastologista chefe do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, José Roberto Filassi.
O cardiologista Protásio Luz explica que os estudos sobre álcool obedecem a uma "curva em J": quem bebe muito morre mais; mas os abstêmios apresentam, geralmente, maior mortalidade do que aqueles que bebem pouco. Ele, junto a um grupo do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas (Incor), realizou um estudo com ratos no começo do ano, dividindo os animais em três grupos. O primeiro grupo recebeu vinho tinto, o segundo recebeu uma baixa quantidade de resveratrol e o terceiro uma grande quantidade da substância. 
A pesquisa observou que os animais que ingeriram vinho e quantidades pequenas de resveratrol apresentaram melhora na função vascular e fizeram mais exercícios físicos. Os que receberam doses altas de resveratrol, por outro lado, não apresentaram melhoria alguma na condição vascular. “Não podemos dizer, nesse caso, que o resveratrol fez mal, ele simplesmente não fez bem. A proteção da bebida alcoólica se restringe, portanto, a uma quantidade moderada”.
Mas para o álcool se tornar um aliado da saúde, afirma o cardiologista Protásio Luz, não basta seu consumo moderado. "É preciso mudar o estilo de vida", afirma. Para ele, o ideal é controlar o peso, seguir uma dieta alimentar saudável e não fumar. "Com tudo isso em dia, o consumo moderado de álcool revelará seus benefícios."

Não é para você

Apesar de a bebida alcoólica, com moderação, proporcionar benefícios para a saúde, ela não é indicada para todos. Existem pessoas que não devem ingerir quantidade alguma de álcool, já que os prejuízos são muito maiores do que as vantagens. Sinal vermelho para quem tem os seguintes problemas:
Doença hepática alcoólica: é a inflamação no fígado causada pelo uso crônico do álcool. Principal metabolizador do álcool no organismo, o fígado é lesionado com a ingestão de bebidas alcoólicas.

Cirrose hepática:
 o álcool destrói as células do fígado e é o responsável por causar cirrose, quadro de destruição avançada do órgão. Pessoas com esse problema já têm o fígado prejudicado e a ingestão só induziria a piora dele.

Triglicérides aumentado: 
o triglicérides é uma gordura tão prejudicial quanto o colesterol, já que forma placas que entopem as artérias, podendo causar infarto e derrame cerebral. O álcool aumenta essa taxa. Portanto, quem já tiver a condição deve manter-se longe das bebidas alcoólicas.

Pancreatite: a doença é um processo inflamatório do pâncreas, que é o órgão responsável por produzir insulina e também enzimas necessárias para a digestão. O consumo exagerado de álcool é uma das causas dessa doença, e sua ingestão pode provocar muita dor, danificar o processo de digestão e os níveis de insulina, principal problema do diabetes.

Úlcera: é uma ferida no estômago. Portanto, qualquer irritante gástrico, como o álcool, irá piorar o problema e aumentar a dor.

Insuficiência cardíaca: por ser tóxico, o álcool piora a atividade do músculo cardíaco. Quem já sofre desse problema deve evitar bebidas alcoólicas para que a atividade de circulação do sangue não piore.

Arritmia cardíaca: de modo geral, ele afeta o ritmo dos batimentos cardíacos. A bebida alcoólica induz e piora a arritmia.               


Redobre a atenção

Há também aqueles que devem ter muito cuidado ao beber, mesmo que pouco.Tudo depende do grau da doença, do tipo de remédio e do organismo de cada um.
Problemas psiquiátricos: o álcool muda o comportamento das pessoas e pode alterar o efeito da medicação. É arriscada, portanto, a ingestão de bebida alcoólica por aqueles que já têm esse tipo de problema.

Gastrite: é uma fase anterior à úlcera e quem sofre desse problema deve tomar cuidado com a quantidade de bebida alcoólica ingerida. Como pode ser curada e controlada, é permitido o consumo álcool moderado, mas sempre com autorização de um médico.

Diabetes: 
Todos os diabéticos devem ficar atentos ao consumo de álcool. A quantidade permitida dessa ingestão depende do grau do problema, dos remédios e do organismo da pessoa. Recomenda-se, se for beber, optar por fazê-lo antes ou durante as refeições para evitar a hipoglicemia.

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