quarta-feira, 10 de outubro de 2012

O dilema da reposição hormonal



Há mais de uma década estudos questionam segurança do tratamento, hoje aprovado por especialistas.


Debate. A reposição hormonal foi tema de discussão do evento do GLOBO na Casa do Saber; riscos de câncer pelo tratamento são superestimados, segundo os especialistas
Foto: Simone Marinho
Debate. A reposição hormonal foi tema de discussão do evento do GLOBO na Casa do Saber; riscos de câncer pelo tratamento são superestimados, segundo os especialistasSIMONE MARINHO
De um lado, uma geração de mulheres com medo de se submeter à reposição hormonal, já que, há mais de um década, um estudo bombástico colocou a terapia na berlinda. De outro, homens que nunca ouviram falar do Déficit Androgênico do Envelhecimento Masculino (Daem) — ou, numa analogia à menopausa, da andropausa. Dúvidas e orientações sobre a queda, na meia-idade, da produção de hormônios, foram debatidas durante a sexta edição dos Encontros O GLOBO Saúde e Bem-Estar, na última quarta-feira, na Casa do Saber. Para a plateia lotada, principalmente de mulheres, um alento: os palestrantes garantiram que a reposição não é prejudicial, e sim oferece uma série de vantagens, desde que seja individualizada e acompanhada por especialistas. Para os homens, um alerta: eles não estão livres da baixa hormonal e precisam ficar atentos aos sintomas, que não são tão aparentes como no corpo feminino.
— Escolhemos o tema da reposição hormonal masculina e feminina porque há muitos mitos e verdades sobre isso. Ela tem riscos, mas tem enormes benefícios — afirmou o cardiologista Cláudio Domênico, curador do evento, que teve mediação da editora de Ciência e Saúde do GLOBO, Ana Lucia Azevedo.
Década passada foi período negro da reposição hormonal
No início da década de 2000, uma série de estudos passou a mostrar os malefícios da reposição hormonal e, no ano 2002, foi lançada a pesquisa Iniciativa da Saúde na Mulher (WHI, na sigla em inglês), que fez com que uma legião de mulheres jogasse fora seus remédios. Acompanhando por cinco anos mais de 160 mil mulheres após a menopausa, com idades entre 50 e 79 anos, foram apontados diversos prejuízos do seu uso: trombose, AVC, infarto agudo do miocárdio e até câncer de mama. Passada uma década, a endocrinologista Amanda Athayde, diretora do Departamento de Endocrinologia Feminina e Andrologia da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem), diz que o medo ainda paira entre as mulheres e até na classe médica, apesar de, segundo ela, ser injustificado.
— Foi um período negro da terapia de reposição hormonal, muitas mulheres deixaram de se beneficiar dela — afirmou Marina, que criticou o estudo. — A Sbem se posicionou, afirmando que os hormônios utilizados eram errados (progestágeno e estrógeno equino conjugado, semelhantes, mas não iguais aos produzidos pela mulher) e que as mulheres foram selecionadas de maneira errada. Eram mais velhas e tinham começado a fazer a reposição muito tempo depois da menopausa.
A especialista pondera, entretanto, que a reposição não é indicada para mulheres com histórico de trombose ou câncer de mama.
— O estrogênio não causa câncer de mama, mas ele faz com que uma célula maligna cresça, por isso não pode ser prescrito para mulheres que tiveram a doença — afirmou Amanda.
O cardiologista Cláudio Domênico também desaconselha a prescrição de hormônios às pacientes com problemas cardiovasculares:
— A mulher que nunca teve problema cardíaco, como infarto, tem baixo risco. A mulher com problema prévio de coração, a princípio, deve evitá-la.
“Saúde do homem é negligenciada”, diz endocrinologista
Se na mulher os sintomas do climatério (período pré e pós a interrupção da menstruação comumente confundido com a menopausa) ocorrem geralmente por volta dos 50 anos e são bastante típicos —ondas de calor, diminuição da libido, pele seca, incômodo na relação sexual e dores de cabeça —, no homem, a baixa do hormônio masculino (testosterona) não acontece sempre na meia-idade e não acomete todos.
— Nem todos os homens chegam a ter uma andropausa, ou seja, nem sempre os hormônios masculinos vão a níveis tão baixos que cheguem a criar problema, embora esses hormônios já venham caindo desde os 30 anos (em 1% ao ano) — explicou o diretor do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia Luiz Capriglione (Iede), Ricardo Meirelles.
A chamada andropausa faz referência à menopausa, utilizando-se o prefixo andro, que significa homem. Mas apesar de termos similares, os fenômenos têm aspectos diferentes. A deficiência, por exemplo, é diagnosticada por um exame de sangue, colhido pela manhã, que indica os níveis de testosterona.
— O homem não tem queixas características que mostrem que ele está com pouca testosterona. Por isso se confunde com situações comuns do envelhecimento — explicou Meirelles, que deu exemplos de alguns sintomas típicos da queda hormonal masculina. — Quando falta testosterona, a primeira coisa que vem à mente é o comportamento sexual: diminui a libido e pode ocorrer disfunção erétil. Mas também existem outras coisas que são muito importantes, como aumento da gordura corporal, o que faz com que o homem possa ter problemas cardiovasculares. A massa muscular diminui ao longo do tempo, principalmente se ele não fizer atividade física. Dores musculares, articulares e perda de massa óssea também aparecem.
Além da diferença de sintomas, a andropausa se distancia da menopausa no peso que se dá ao tratamento, inclusive por cientistas e médicos.
— Nós começamos a nos preocupar com a reposição hormonal feminina muito antes da masculina. Não se dava nenhuma atenção à andropausa. Somente há dez, 15 anos, que se começou a ver isto com uma preocupação maior — reconheceu Meirelles. — A situação está mudando, mas a saúde masculina é negligenciada, principalmente pelos próprios homens.
Dados da Sociedade Brasileira de Urologia mostram exatamente esta situação: uma pesquisa com cinco mil homens acima de 40 anos de nove capitais brasileiras constatou que 66% dos entrevistados não sabiam o que era andropausa. Além disso, 64% deles nunca tinham feito um exame para medir os níveis de testosterona e 38% não costumavam ir ao médico com frequência.
Além de ignorância, o medo — de ocorrência de câncer de próstata — é outro fator que afasta homens do tratamento de reposição hormonal.
—Isto é curioso, porque não há razão científica que o justifique. Só houve um trabalho, há mais de 40 anos, que mostrou a ocorrência de câncer de próstata num homem que recebia hormônio, mas eram só três pacientes — lembrou Meirelles, ressaltando a importância do acompanhamento médico. — Tomar testosterona livremente tem vários riscos, como o de problemas cardiovasculares.

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