terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Fatores determinantes do envelhecimento saudável

Fatores determinantes do envelhecimento
saudável em idosos residentes em centro
urbano: Projeto Epidoso, São Paulo
Determinant factors for healthy aging among
senior citizens in a large city: the Epidoso
Project in São Paulo
1 Departamento
de Medicina,
Centro de Estudos
do Envelhecimento,
Universidade Federal de
São Paulo. Rua dos Ottonis
731, São Paulo, SP
04025-002, Brasil.
luizramos.dmed@epm.br
Luiz Roberto Ramos 1
Abstract Population aging leads to an increase in the prevalence of chronic and disabling diseases,
as well as a change in the public health paradigm. Diseases diagnosed in the elderly are
generally not curable; if not properly treated and monitored over time, they tend to generate
complications and sequelae that impair patients’ independence and autonomy. Health is no
longer measured by the presence or absence of disease, but by the degree of preservation of functional
capacity. Factors for healthy aging with good functional capacity and those which increase
the risk of death and disability need to be identified by longitudinal surveys that include
the elderly population living in the community. This article presents data from the first followup
survey of senior citizens in Brasil, called the Epidoso Project (from “epi” as in “epidemiologic”
and “idoso” or “elderly” in Portuguese) implemented since 1991 in the city of São Paulo. The socio-demographic,
clinical, and functional characteristics of a cohort of elderly are discussed,
with a risk analysis for death and disability, and the implications for health planning are considered.
Key words Aging Health; Demographic Aging; Chronic Disease; Longitudinal Studies
Resumo Com o envelhecimento populacional, temos um aumento da prevalência de doenças
crônicas e incapacitantes e uma mudança de paradigma na saúde pública. As doenças diagnosticadas
num indivíduo idoso geralmente não admitem cura e, se não forem devidamente tratadas
e acompanhadas ao longo dos anos, tendem a apresentar complicações e seqüelas que comprometem
a independência e a autonomia do paciente. A saúde não é mais medida pela presen-
ça ou não de doenças, e sim pelo grau de preservação da capacidade funcional. Quais os fatores
que determinam um envelhecimento saudável, com boa capacidade funcional, e quais os fatores
que aumentam o risco de morte e incapacidade são questões que terão que ser respondidas por
inquéritos longitudinais que incluam a população idosa residente na comunidade. Este artigo
apresenta dados do primeiro inquérito populacional de seguimento com idosos na comunidade
no Brasil – Projeto Epidoso, em curso desde 1991 na cidade de São Paulo. São discutidas as características
sócio-demográficas, clínicas e funcionais de uma coorte de idosos, com análise de
risco para morte e incapacidade e considerações sobre as implicações para o planejamento em
saúde.
Palavras-chave Saúde do Idoso; Envelhecimento da População; Doença Crônica; Estudo Longitudinal
794 RAMOS, L. R.
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 19(3):793-798, mai-jun, 2003
Capacidade funcional:
um novo paradigma em saúde
Embora a grande maioria dos idosos seja portadora
de, pelo menos, uma doença crônica
(Ramos et al., 1993), nem todos ficam limitados
por essas doenças, e muitos levam vida
perfeitamente normal, com as suas enfermidades
controladas e expressa satisfação na vida.
Um idoso com uma ou mais doenças crônicas
pode ser considerado um idoso saudável, se
comparado com um idoso com as mesmas doenças,
porém sem controle destas, com seqüelas
decorrentes e incapacidades associadas. Assim,
o conceito clássico de saúde da Organiza-
ção Mundial da Saúde (OMS) mostra-se inadequado
para descrever o universo de saúde dos
idosos, já que a ausência de doenças é privilé-
gio de poucos, e o completo bem-estar pode ser
atingido por muitos, independentemente da
presença ou não de doenças.
Na verdade, o que está em jogo na velhice é
a autonomia, ou seja, a capacidade de determinar
e executar seus próprios desígnios. Qualquer
pessoa que chegue aos oitenta anos capaz
de gerir sua própria vida e determinar quando,
onde e como se darão suas as atividades de lazer,
convívio social e trabalho (produção em algum
nível) certamente será considerada uma
pessoa saudável. Pouco importa saber que essa
mesma pessoa é hipertensa, diabética, cardíaca
e que toma remédio para depressão – infelizmente
uma combinação bastante freqüente
nessa idade. O importante é que, como resultante
de um tratamento bem-sucedido, ela
mantém sua autonomia, é feliz, integrada socialmente
e, para todos os efeitos, uma pessoa
idosa saudável.
Uma outra pessoa com a mesma idade e as
mesmas doenças, porém sem controle destas,
poderá apresentar um quadro completamente
diferente. Inicialmente sob a influência da depressão,
essa pessoa poderá apresentar uma
progressiva reclusão social, com tendência ao
sedentarismo, déficit cognitivo, perda de autoestima
e abandono de autocuidados. Paralelamente,
o diabetes e o problema cardíaco, que de
início não limitavam, passam a limitar fisicamente,
agravando o problema mental e aumentando
o risco para complicações cardiovasculares.
Nesse momento a capacidade funcional
encontra-se já bastante comprometida, com
dependência física e mental para a realização
de atividades da vida diária mais complexas,
como, por exemplo, limpar a casa, fazer compras,
cuidar das finanças. No momento seguinte,
o advento de um acidente vascular cerebral
ou infarto do miocárdio não fatais pode remeter
essa pessoa para um novo patamar de dependência,
no qual será necessário assistência
continuada para a realização das atividades
mais básicas da vida cotidiana, como comer,
vestir, ou tomar banho. Eventualmente, o adequado
tratamento dessas doenças pode reverter
o quadro, mas não a ponto de retornar ao
patamar inicial. Nesse caso, ninguém hesitaria
em caracterizar essa pessoa como doente.
Capacidade funcional surge, portanto, como
um novo paradigma de saúde, particularmente
relevante para o idoso (Fillenbaum, 1984;
Kane & Kane, 1981). Envelhecimento saudável,
dentro dessa nova ótica, passa a ser a resultante
da interação multidimensional entre saúde
física, saúde mental, independência na vida diá-
ria, integração social, suporte familiar e independência
econômica. A perda de um ente querido,
a falência econômica, uma doença incapacitante,
um distúrbio mental, um acidente,
são eventos cotidianos que podem, juntos ou
isoladamente, comprometer a capacidade funcional
de um indivíduo. O bem-estar na velhice,
ou saúde num sentido amplo, seria o resultado
do equilíbrio entre as várias dimensões da
capacidade funcional do idoso, sem necessariamente
significar ausência de problemas em
todas as dimensões.
Avaliação multidimensional do idoso
Com base no conceito de saúde do idoso como
capacidade funcional, foram desenvolvidos inú-
meros instrumentos abrangendo as várias dimensões
pertinentes à avaliação global da capacidade
funcional de um idoso. Um dos primeiros
instrumentos deste tipo foi o Olders Americans
Research and Services (OARS), Multidimensional
Functional Assessment Questionnaire
(OMFAQ), concebido nos Estados Unidos
(Duke University Center for the Study of Aging
and Human Development, 1978) e traduzido e
adaptado para o português – BOMFAQ (Brazilian
version of OMFAQ) (Ramos & Goihman,
1989). Trata-se de um questionário fechado que
fornece dados sócio-demográficos, avalia a percepção
subjetiva do idoso, a saúde física e mental
(aspectos cognitivos e emocionais), independência
no dia-a-dia, suporte social e familiar e
utilização de serviços. O objetivo desse instrumento
é proporcionar um perfil de saúde multidimensional,
identificando quais as dimensões
que mais diretamente comprometem a
capacidade funcional da população e, com isso,
indicando soluções que transcendem uma
linha programática baseada no aumento da cobertura
diagnóstica e terapêutica das doençasCad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 19(3):793-798, mai-jun, 2003
crônicas não transmissíveis (DCNT) que acometem
o idoso.
Um dos primeiros estudos populacionais,
com avaliação multidimensional de idosos residentes
na comunidade, no Brasil, foi realizado
na cidade de São Paulo em 1984 (Ramos &
Goihman, 1989). Os dados desse estudo mostraram
que o idoso residente num grande centro
urbano latino-americano apresentava um
perfil muito semelhante ao que se esperaria de
uma população de idosos residente em um país
desenvolvido, porém com algumas idiossincrasias
marcantes.
Em geral, a população de idosos apresentou
uma alta prevalência de doenças crônicas –
quase 90% referiram pelo menos uma DCNT –,
principalmente hipertensão arterial, dores articulares
e varizes. Quase a metade referiu precisar
de ajuda para realizar pelo menos uma
das atividades da vida diária, instrumentais ou
pessoais (limpar a casa, ir ao banheiro, comer,
trocar de roupa, etc.), e cerca de um quarto teve
um screening positivo para distúrbio emocional
tipo distimia. Esses dados poderiam
perfeitamente dizer respeito a uma população
urbana européia, por exemplo. No entanto, alguns
dados da caracterização sócio-demográfica,
em particular, eram bastante distintos.
A começar pela idade média (72 anos), que
era baixa quando comparada à de países desenvolvidos,
e pela razão de homens/mulheres,
que foi mais elevada do que em países desenvolvidos,
onde a proporção de mulheres é bastante
superior à de homens. Todavia, as duas
variáveis que se mostraram mais diferenciadas
de um padrão europeu ou norte-americano foram
o nível sócio-econômico e o arranjo domiciliar
do idoso.
A renda média per capita no domicílio do
idoso da amostra foi de US$100/mês, variando
de US$32, no subdistrito periférico de baixa
renda, a US$233. no subdistrito central de alta
renda. O nível de renda mostrou-se fortemente
associado com a saúde física e mental. A proporção
de idosos com DCNT, ou depressão, ou
dependência no dia-a-dia foi significativamente
mais alta entre idosos de baixa renda.
O arranjo domiciliar, por sua vez, mostrou
que o idoso nessa região do Brasil ainda vive
majoritariamente dividindo o domicílio com
seus filhos e muitas vezes com filhos e netos.
Esse tipo de domicílio, chamado multigeracional,
acomodava mais de 50% dos idosos, e em
metade das residências o idoso vivia com filhos
casados e com netos. Esse achado contrastava
com o que se verifica em países desenvolvidos,
onde menos de 5% dos idosos vivem em domicílios
com os filhos e muito raramente com os
FATORES DETERMINANTES DO ENVELHECIMENTO SAUDAVEL EM IDOSOS 795
netos. A maioria vive com o cônjuge apenas, ou
só. Em São Paulo, apenas 10% dos idosos viviam
sós, menos de um terço do que se espera
em qualquer população européia, por exemplo.
Os dados aparentemente confirmaram a
concepção de que os idosos no Brasil, assim
como nos países latino-americanos, em geral,
teriam um suporte familiar mais intenso do
que os idosos na Europa, evidenciando um tra-
ço cultural, que de certa forma compensaria o
desnível sócio-econômico.
Por outro lado, os diferentes tipos de arranjos
domiciliares abrigavam idosos com características
bastante distintas. Os idosos vivendo
em domicílios com filhos e netos eram, geralmente,
viúvas, bem idosas, de origem rural, com
uma renda muito baixa ou inexistente. Apresentavam
uma prevalência acima da média de
DCNT, de dependência severa no dia-a-dia, e
de distúrbio afetivo, como depressão. Apesar
da presença física de vários familiares, eram
idosos que, com uma freqüência acima da mé-
dia, referiam sensação de solidão.
O idoso morando apenas com filhos era, em
geral, do sexo masculino, de origem rural, casado,
mais jovem, com melhor condição sócioeconômica
e mais independência no dia-a-dia.
No caso dos domicílios em que vivia apenas um
casal, o idoso era geralmente homem, de origem
urbana, também no grupo etário mais jovem,
com poucas doenças crônicas e total independência
no dia-a-dia.
Os idosos vivendo sós eram, em geral, mulheres
com uma origem urbana, viúvas, de ní-
vel sócio-econômico baixo, com várias doenças
e um nível intermediário de dependência no
dia-a-dia, já que os estados de dependência grave
mostraram-se incompatíveis com a vida só.
Alternativamente, essa idosa morando só poderia
ser uma pessoa solteira, com renda pessoal
mais alta e condição de saúde e independência
acima da média.
A conclusão a que se chegou foi que os arranjos
domiciliares multigeracionais, além de
serem extremamente prevalentes, associavamse
significativamente com um nível sócio-econômico
baixo, geralmente afetando mulheres
viúvas com várias doenças e um grau de moderado
a severo de dependência no dia-a-dia.
Mais do que uma opção sócio-cultural, tais arranjos
mostraram-se uma forma de sobrevivência.
Na verdade, os idosos com nível sócioeconômico
mais alto viviam majoritariamente
apenas com o cônjuge ou sós, reproduzindo o
modelo verificado nos países mais desenvolvidos.
Vale referir que nesses casos não havia, necessariamente,
uma falta de suporte familiar;
havia, sim, um esquema de intimidade a dis-796 RAMOS, L. R.
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 19(3):793-798, mai-jun, 2003
tância entre os membros da família, nos moldes
que se verificam nos países mais desenvolvidos
(Ramos, 1992; Ramos et al., 1992).
Fatores de risco para mortalidade
A velhice é um período da vida com uma alta
prevalência de DCNT, limitações físicas, perdas
cognitivas, sintomas depressivos, declínio sensorial,
acidentes e isolamento social. Entretanto,
tem crescido o interesse em estabelecer quais os
fatores que, isolada ou conjuntamente, melhor
explicam o risco que um idoso tem de morrer em
curto prazo, uma noção útil do ponto de vista
epidemiológico e clínico. Para responder a essa
questão, no entanto, faz-se necessário estudos
longitudinais, que acompanhem coortes de idosos,
controlando os possíveis fatores de risco.
Estudos longitudinais com amostras populacionais,
especialmente desenhados para avaliar
fatores de risco para mortalidade em idosos,
ainda são relativamente raros na literatura.
Alguns estudos discutem fatores de risco
para mortalidade em idosos, mas baseiam-se
em amostras não populacionais, ou analisam
amostras populacionais que não foram originalmente
selecionadas para estudar idosos.
O principal fator de risco para mortalidade
continua sendo a própria idade. Quanto mais
se vive maior é a chance de morrer. A maioria
dos estudos longitudinais com idosos residentes
na comunidade parece concordar que, além
da idade, o sexo do indivíduo pode ser determinante
do risco morte, com os homens apresentando
um risco maior do que as mulheres (Jagger
et al., 1993; NCHS, 1985). Todas as demais
variáveis são dependentes de uma complexa
interação entre o indivíduo e o meio ambiente,
que, por sua vez, varia de cultura para cultura e
de tempos em tempos. Mesmo o fator sexo pode
vir a ter sua relação de risco alterada no futuro,
com a evolução social promovendo um
aumento significativo de mortes por DCV entre
as mulheres, agora mais expostas do que antes
aos fatores de risco ocupacionais e ambientais,
devido a sua progressiva incorporação à população
economicamente ativa.
Outros fatores objetivos da avaliação multidimensional
de pessoas idosas os quais gozam
de uma concordância entre os vários estudos
são o grau de incapacidade, avaliado pelo desempenho
nas atividades da vida diária (AVDs),
e história de hospitalização prévia no último
ano.
Uma variável que tem merecido considerá-
vel atenção nessa área de determinantes de
mortalidade entre idosos é a auto-avaliação
subjetiva de saúde do idoso. Por ser uma variá-
vel simples de ser obtida, com potencial de sintetizar
uma complexa interação de fatores envolvidos
na saúde de um idoso, e com alto valor
preditivo de mortalidade, a maioria dos estudos
dedica atenção especial à discussão das
implicações práticas dessa variável como um
indicador de saúde (Mossey & Shapiro, 1982).
Entretanto, poucos estudos incluíram a medida
do estado cognitivo do idoso entre as variáveis
independentes do modelo multivariado
de determinação de risco de morte, e praticamente
nenhum estudo avaliou o grau de depressão
do entrevistado. Ambas as variáveis podem,
em teoria, confundir a associação entre
auto-avaliação de saúde e o risco de morte entre
idosos.
Epistemologicamente a morte vem associada
com a doença física, numa concepção, em geral
válida, de que as pessoas doentes morrem
mais. Contudo, os estudos sobre determinantes
de mortalidade em idosos têm mostrado
que as doenças crônicas referidas ou diagnosticadas
não afetam significativamente o risco
de morte (Wolinsky et al., 1995). Provavelmente
devido à variabilidade com que a mesma
doença afeta a capacidade funcional.
Vale lembrar, no entanto, que nenhum dos
estudos longitudinais, acima referidos, sobre
risco de morte em idosos foi conduzido em país
em desenvolvimento, onde a pobreza, o nível
educacional baixo e uma estrutura familiar diferenciada
podem introduzir variações idiossincráticas
no modelo preditivo de morte.
O Projeto Epidoso é o primeiro estudo longitudinal
com idosos, na América Latina, que avaliou
pessoas residentes na comunidade, com
um instrumento multidimensional e seguiu a
coorte em busca de fatores associados ao envelhecimento
saudável e fatores de risco para
mortalidade. Há mais de dez anos, pessoas que
tinham 65 anos ou mais em 1991 são seguidas
no domicílio e acompanhadas em ambulató-
rio, na área de captação do Centro de Estudos
do Envelhecimento (CEE) da Escola Paulista de
Medicina, Universidade Federal de São Paulo
(EPM/UNIFESP), no Município de São Paulo
(Ramos et al., 1998).
A mortalidade por todas as causas nessa
coorte de idosos residentes em zona urbana foi
de quase 10% em dois anos. Os fatores que aparentemente
influenciaram o risco de morte, resultado
de uma análise bivariada, foram: sexo
(masculino), idade (avançada), auto-avaliação
subjetiva de saúde (negativa), história pregressa
de sedentarismo, edentulismo, quedas, acidente
vascular cerebral e incontinência uriná-
ria, hospitalização e visita ao médico nos últi-FATORES DETERMINANTES DO ENVELHECIMENTO SAUDAVEL EM IDOSOS 797
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 19(3):793-798, mai-jun, 2003
mos seis meses, positividade para depressão,
déficit cognitivo e dependência no dia-a-dia.
Utilizando-se um modelo multivariado de
análise, com regressão logística, poucas variá-
veis mantiveram um efeito independente e significante
no risco de morte, a saber: sexo, idade,
hospitalização prévia e positividade nos rastreamentos
para déficit cognitivo e dependência
no dia-a-dia (Ramos et al., 2001).
Na prática, os únicos fatores de risco mutá-
veis que poderiam diminuir o risco de morte foram
o estado cognitivo e o grau de dependência
no dia-a-dia, avaliados, respectivamente, através
de do mini-exame do estado mental (Folstein
et al., 1975) e da escala de atividades da vida
diária (Ramos et al., 1993), ambas escalas
simples, confiáveis e validadas, que poderiam
ser incorporados ao protocolo clínico de aten-
ção à saúde do idoso em nível primário.
A saúde pública e o novo paradigma
O desafio maior no século XXI será cuidar de
uma população de mais de 32 milhões de idosos,
a maioria com nível sócio-econômico e
educacional baixos e uma alta prevalência de
doenças crônicas e incapacitantes.
A principal fonte de suporte para essa população
de idosos ainda é a família, principalmente
aquela que, em domicílios multigeracionais,
coabita com o idoso, o qual representa
uma parcela da população de idosos que tende
a ser mais pobre, com mais problemas de saúde
e mais dependente no dia-a-dia do que a mé-
dia dos idosos. Afora as limitações financeiras
para aderir aos múltiplos tratamentos necessá-
rios, geralmente em bases crônicas, a disponibilidade
de suporte familiar para o idoso dependente
deverá decair marcadamente em face
da diminuição do tamanho da família, o aumento
do número de pessoas atingindo idades
avançadas e a crescente incorporação da mulher
– principal cuidadora – à força de trabalho
fora do domicílio.
O sistema de saúde terá que fazer frente a
uma crescente demanda por procedimentos
diagnósticos e terapêuticos das doenças crônicas
não transmissíveis, principalmente as cardiovasculares
e as neurodegenerativas, e a uma
demanda ainda maior por serviços de reabilitação
física e mental. Será preciso estabelecer
indicadores de saúde capazes de identificar
idosos de alto risco de perda funcional e orientar
ações concentradas de promoção de saúde
e manutenção da capacidade funcional. Ações
que tenham um significado prático para os profissionais
atuando no nível primário de atenção
à saúde e que tenham uma relação de custo-benefício
aceitável para os administradores dos
parcos recursos destinados à área da saúde.
Estudos transversais já haviam demonstrado
que os idosos em um centro urbano apresentam
uma alta prevalência de incapacidades
físicas e mentais geradoras de dependência no
dia-a-dia. O seguimento longitudinal mostrou
que essas limitações aumentavam significativamente
o risco de morte nessa população.
Medidas de intervenção visando identificar
causas tratáveis de déficit cognitivo e de perda
de independência no dia-a-dia deveriam tornar-se
prioridade do sistema de saúde, dentro
de uma perspectiva de reestruturação programática
realmente sintonizada com a saúde e o
bem-estar da crescente população de idosos. O
objetivo principal do sistema deve ser a manutenção
da capacidade funcional do idoso, mantendo-o
na comunidade, pelo maior tempo possível,
gozando ao máximo sua independência.
A manutenção da capacidade funcional é,
em essência, uma atividade multiprofissional
para a qual concorrem médicos, enfermeiras, fisioterapeutas,
terapeutas ocupacionais, psicó-
logos e assistentes sociais. A presença desses
profissionais na rede de saúde deve ser vista como
uma prioridade. Contudo, para que a aten-
ção ao idoso possa se realizar em bases interprofissionais
é fundamental que se estimule a
formação de profissionais treinados, mediante a
abertura de disciplinas nas universidades, de residências
médicas e de linhas de financiamento
a pesquisas que identifiquem a área da geriatria
e gerontologia.798 RAMOS, L. R.
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 19(3):793-798, mai-jun, 2003
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Recebido em 10 de abril de 2002
Aprovado em 25 de junho de 2002

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