sábado, 4 de maio de 2013

Viver bem e viver muito



Como a obesidade arranha o otimismo e a capacidade brasileira de gerar riqueza

CRISTIANE SEGATTO

“O Brasil só irá pra frente se investir em educação”. Quantas vezes você já ouviu ou repetiu essa frase? Ninguém discorda que melhorar o nível educacional da população é uma providência urgente e estratégica. Essa é uma unanimidade nacional -- ainda que, em certa medida, não passe de recurso retórico. 
A mesma consciência não existe em relação à saúde. Todos nós queremos viver bem e, de preferência, viver bastante. Por isso, defendemos que o governo melhore a saúde pública, os planos de saúde funcionem direito e os médicos e hospitais atuem com ética e eficiência. O alcance da reflexão termina aí. Agimos com o imediatismo das crianças de três anos.   
A sociedade brasileira ainda não percebeu que melhorar as condições de saúde da população é um movimento estratégico para o crescimento social e econômico do país. Não entendeu que a questão envolve (e ameaça) a capacidade brasileira de gerar riqueza e renda.  
Muitos especialistas sabem disso e, de vez em quando, escrevem artigos esclarecedores destinados ao grande público. Jornalistas como eu e uma meia dúzia de colegas insistimos nessa tecla não por falta de assunto, mas por perceber o tamanho do buraco em que o país está se metendo.   
É um trabalho de formiguinha. Espero que, de alguma forma, ele ajude a fomentar a consciência de que o desenvolvimento de um país depende da saúde tanto quanto depende da educação. Essa consciência já existe aqui e ali, mas precisa ser geral, homogênea, cristalizada.  
Uma forma de construí-la é destacar não apenas as necessidades de bem-estar individual, mas apontar as dores em uma das partes mais sensíveis do corpo humano e das instituições: o bolso.  
Poucos exemplos são tão eloquentes quanto o da obesidade. Ela é hoje o maior desafio de saúde que o Brasil enfrenta. Pelas perdas de qualidade de vida e de dinheiro que provoca e, principalmente, pelas que ainda vai provocar. 
O SUS gasta R$ 488 milhões por ano para tratar a doença e 26 males decorrentes dela, como câncer, males cardiovasculares e diabetes. A obesidade e suas complicações provocam absenteísmo nas empresas, reduzem a renda das famílias, causam sofrimento, morte, perdas emocionais e econômicas. 
Segundo projeções realizadas nos Estados Unidos, a atual geração de crianças pode ser a primeira na história a viver menos que os pais. O Brasil segue o mesmo caminho. 
Quase metade da população brasileira pesa mais do que deveria (48%). O histórico médico das crianças já é comparável (ou pior !!!) que o dos avós: colesterol alto, diabetes, desgaste nas articulações.  
Frear a epidemia é responsabilidade de todos (escola, governos, indústria), mas um fato não pode ser subestimado: a obesidade é construída dentro de casa. Ela é transmitida de geração em geração -- e não apenas pelos genes.  
Queria ver, de perto, como e por que isso ocorre. Nas últimas semanas, acompanhei a história de três gerações de duas famílias marcadas pela obesidade. Acompanhei os hábitos e tomei contato com as emoções que contribuem para o excesso de peso. Foi uma experiência ímpar.  
Com essas famílias, entendi muito mais sobre a complicada transição nutricional sofrida pelo Brasil do que seria capaz de apreender apenas pela leitura de livros e artigos científicos consultados para a construção desta reportagem. O resultado ganhou a capa da edição impressa desta semana. Produzimos também conteúdos complementares para o site e para os tablets.
A obesidade sempre esteve e continuará estando no nosso radar. Desta vez, nos concentramos nos ingredientes familiares que contribuem para o espantoso fenômeno que o Brasil vive. É uma nova abordagem sobre um tema tratado pelos mais variados aspectos em nossas páginas e nesta coluna. Olhar para ele e para os desafios de saúde que o país enfrenta é o nosso compromisso. A causa é boa e esta formiguinha tem disposição.

Nenhum comentário:

Postar um comentário